09 dezembro, 2025

A história do pijama de bolinhas

Aleatoriamente um toque de poesia


Eu nunca tinha usado pijamas.
Pode parecer detalhe pequeno, quase irrelevante, mas para quem nunca teve um lugar fixo para voltar, pijama é luxo. É promessa de noite. É certeza de amanhã.

Quando fui morar com meus pais, eu não sabia exatamente como se parecia uma vida normal. Eu sabia sobreviver. "Dormir "acordada. Aprender rápido demais. Mas descansar… isso eu ainda não conhecia.

No dia em que saí do Rio de Janeiro para Brasília-DF, algo dentro de mim também se deslocou. Eu deixava de ser a menina de rua suja de graxa,  aquela que se movia de um banco para outro, sempre pronta para ir embora, para tentar aprender a ser filha. E fui ser. Filha de um pai, de uma mãe e irmã de um menino pequeno que ainda não sabia o quanto ele me salvava só por existir.

Naquele mesmo dia logo a tardinha, entramos em uma loja. Uma loja comum. Mas para mim era um mundo inteiro. Vi os pijamas pendurados, alinhados, esperando alguém que tivesse noites. Fiquei quietinha. Eu já tinha aprendido que desejar podia doer.

Minha mãe disse que eu podia escolher dois pijamas. Dois. Tremi por dentro. Entre eles, havia um de bolinhas. Era alegre, redondo, quase infantil demais para quem cresceu antes da hora. Eu amei. Daquele amor que não pede. Mas ele era mais caro. Escolhi os mais simples. O de bolinhas ficou só no coração, esse lugar onde a gente guarda o que acha que não merece.

O tempo passou. A vida me ensinou muitas outras formas de falta, mas também de encontro. Até o dia em que conheci Felipe. E o amor, quando é verdadeiro, escuta o que a gente nunca disse em voz alta.

Sem que eu contasse minha história, sobre amar pijamas, sem saber da loja, do silêncio, ou do pijama  abandonado na arara,😍 ele me deu de presente um pijama. Quando desembrulhei, senti o chão mudar de lugar: era de bolinhas!!!

Ah… eu fiquei tão, tão feliz.
Não era sobre o pijama. Era sobre alguém ter ido, sem saber, buscar uma parte esquecida da minha infância. Felipe era o meu anjo amor mesmo.
Daí eu lhe contei minha preferência por pijamas de bolinhas.

Depois que nos casamos, vieram muitos outros pijamas de bolinhas com uma margarida junto. Como se ele dissesse, todos os dias: agora você pode descansar. Agora você fica. Agora você é casa. E vinha com um eu te amo!

Hoje, quando visto minhas bolinhas antes de dormir, eu me lembro da menina que saiu do Rio de Janeiro sem saber o que era ter noite tranquila. E penso, com um nó no peito em Lipe e na paz no coração: algumas histórias não terminam. Elas se reconciliam.

E eu durmo com gratidão por tudo que fui e sou.
Obrigada meu Pai do alto.

Fernanda

10 comentários:

  1. Boa noite de Paz, querida amiga Fernanda!
    Já estou deitada, com meu pijaminha. Só a blusa é de bolinhas.
    Na verdade, seu post não é sobre pijamas...

    "O amor, quando é verdadeiro, escuta o que a gente nunca disse em voz alta."
    Sim... se é verdadeiro.
    Lendo você eu me reporto à minha própria história...

    "Agora você pode descansar. Agora você fica. Agora você é casa."

    Ouvir coisa similar é para amar para sempre...
    Alguém que seja casa para nosso coração é sublime.
    Eu também sai do RJ.
    Procurei colo, mas a vida se encarregou de tirar o que tinha.
    Independente, afradeco ao 'Pai do Alto.'
    Ele nunca nos abandona. Merece toda nossa gratidão.
    Bom soninho, como já ouvi muito do meu amado, quando a vida não tinha me arrancado ele das minhas noites e dos meua pijamas com ou sem bolinhas.
    Beijinhos fraternos

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  2. Nanda, quanta ternura nesse texto.
    Um pijama , na verdade dois, que te abraçaram naquela tua chegada à Brasília na casa de teus pais que marcou o início de noite em que realmente podis descansar! Tão lindo isso! E o Lipe depois que continuou a te mimar, oferecendo o de bolinhas...
    De onde ele está fica feliz! E que bom um pijama acolhedor, confortável que mexe com sentimentos e permite descansar corpo e alma...
    beijos, chica

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  3. Oi, Fernanda! Bom dia! Memórias afetivas realmente têm um poder especial, não é? Elas nos conectam a momentos e pessoas que marcaram nossas vidas. Esse pijama de bolinhas, então, carrega consigo uma narrativa rica, cheia de risadas e aconchego. Cada mancha e cada costura contam uma história, não só do tecido, mas das experiências compartilhadas. É incrível como objetos simples podem evocar sentimentos tão profundos e nostálgicos! Abraço minha amiga.

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  4. Eita Fernanda! Gostei da história.
    Nunca tive pijamas.
    Nem de calça longa nem de calça curta.
    Mas é bonitinho. De bolinha, é lindo.
    Beijo,

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  5. Oi, Nandinha, que texto lindo, recordações de coisas simples mas que muitas vezes mudam nossos sentimentos, um pijaminha de bolinhas fica para o resto de nossas vidas, com aquele carinho lá atrás, quando chegou na hora certa.
    Você conta essas coisas de sua vida com tanta ternura, tanto carinho que fica difícil ler outra coisa à altura logo depois de sua crônica.
    Você é a mulher maravilhosa, mas também a criança terna, delicada e que a vida moldou muito bem!
    Eu não tenho pijama de bolinha, vou comprar um!! kk
    Uma boa semana, querida,
    meu carinho.
    Beijinho.

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  6. Eu fiquei comovida Fernanda. Primeiro porque eu também tive que sair pequena, com 6 anos ainda, de uma cidade do interior daqui do Espírito Santo para ir morar em Brasília. Foi muito dolorosa a transferência para mim. Quem dera se eu tivesse um pijaminha para me confortar nas noites escuras. Mas isso é uma longa história...

    Tem muita ternura narrada nos seus pijamas de bolinhas onde o amor é o grande foco e que transformou um momento difícil em ressignificação para a vida inteira!! Amei!!

    Beijos querida!

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  7. Olá Fernanda.
    É minha amiga... Memórias afetuvas.
    Isso agrega valor às coisas simples e dão tempero na vida.
    Muito bom!

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  8. Que história bacana!

    O desejo se realizou como um presente do amado!
    Mas confesso que nem sabia que as pessoas ainda dormem de pijama....rs

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  9. E esse pijama de bolinhas virou um sonho, um desejo de vida. Do coração veio a satisfação desse desejo que se transformou num acto de amor. Foi uma linda coincidência ou talvez daquelas premonições que não se sabe bem donde surgem, mas que têm uma razão de ser. O sonho de uma menina que queria apenas ser feliz com os pais que Deus lhe deu.
    Querida Fernanda, adorei o seu texto.
    Muito emotivo, que me trouxe outras lembranças, de coisas que desejei em criança.
    Sempre a admirá-la, minha amiga.
    Beijinhos
    Olinda

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  10. Desde que entrei na sua casa Aleatoriamente a uns 15 anos atrás, emocionei e comovi com suas historias, eu e meu amigo conterraneo Kaka, Jose Claudio Adão e buscava sempre lhe dar forças pela travessia, mas via uma gratidão imensa de voce para com os pais de Brasilia e vibramos na entrada de Lipe na sua vida, na sua semana e coração. Depois tudo veio desmoronar e voce sempre guerreira, respirou e renasceu como sempre com ou sem pijama de bolinhas, porque você é ungido pelos anjos.
    Belas emocionantes memórias Feernandinha.
    Um abração com carinho

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depois que a letra nasce
não há silêncio
há um choro que só eu ouço
e um medo que ninguém vê
o medo de mostrar demais
de sangrar diante de estranhos
de ser lida com desdém
ou pior: com pressa
porque parir palavras
é também deixar o peito aberto
num mundo que não sabe lidar
com quem sente fundo
a escrita respira fora de mim
e eu, nua, assisto
alguns dizem que é lindo
outros nem leem até o fim
há quem tente vestir meu poema
com a própria assinatura
como se dor fosse transferível
como se parto tivesse atalho
e é aí que mais dói
quando roubam o nome da minha filha
e fingem que nasceu de outra boca
quando arrancam o umbigo do texto
e dizem: “isso é meu”
não é
eu sei cada madrugada que ela levou
cada perda que empurrou esse verso
cada lágrima que virou frase
não quero aplauso
mas exijo respeito
porque minha escrita
anda no mundo com meu rosto
meus olhos, minha história
e quando alguém a toma como se fosse nada
está me dizendo:
“você também é nada”
mas eu sou tudo
o que ninguém teve coragem de escrever
e continuo parindo
mesmo ferida
porque escrever é a única forma
que conheço de sobreviver
(Fernanda)