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Eu amo escrever. Escrevo porque às vezes não cabe tudo aqui dentro. Porque há sentimentos que só se organizam quando viram palavras, e pensamentos que só fazem sentido quando dançam na página. Amo também olhar o céu e talvez isso diga tudo. Há quem olhe o céu para prever o tempo, eu olho para prever a mim mesma. Há algo em observar as nuvens, as estrelas ou o silêncio azul que me faz lembrar que existe poesia mesmo nos dias comuns. Este blog nasce desse encontro: entre a escrita e o céu. Vai ser um espaço para dividir pensamentos, contar histórias, guardar pedaços de mim e talvez, de você também, que me lê agora. Obrigada por estar aqui. Que você se sinta à vontade. Que cada texto seja como uma janela aberta, onde o vento entra leve e, quem sabe, traz um pouco de luz também

Amor sempre....

Amor sempre....
Caminho entre flores. O chão continuará pra nós com outras paisagens. Sou o que sou, porque é tudo que sei ser. E todo meu olhar escrito que você nunca aprendeu a ler, permanecerá no descaso para quem não compreende.

25 fevereiro, 2015

Recordações...

Chegou cedo na feira, os caixotes empilhados ainda, a senhora das frutas e verduras, ainda não havia chegado. Ela senta num cantinho e observa seu Maurício com os caixotes nas costas, quis pegar dois caixotes de uma só vez, uma artimanha mesmo pensou.
Em seguida um dos caixotes despenca e caem frutas para todos os lados. Ela levanta e vai ajudar, mas uma das pontas do caixote estava atrás e ela não viu, seu pezinho foi de encontro ao prego.
Puxou o pezinho, mas o prego veio junto. Apressada puxou o prego do pé, tão rápido para seu Mauricio não perceber.

Então a alegria dela foi ganhando uma dorzinha fina, foi para o outro lado da quitanda e ficou olhando o machucado. Depois lembrou do mar, seu amigo mar, ele pode fazer parar de doer com sua água de sal. Lá foi a menina no rumo do mar.
A dor continuava mais forte e a noite chegando, então ela sentou-se ali mesmo, seu corpo estava muito quente e ela chorava e chorava.
Mas agora não conseguia mais ficar ali naquela caixa, tinha que falar com alguém, um adulto.

Assim caminhou e caminhou, depois ia pulando só de um pé, depois tentava caminhar de novo, mas já tremia de frio, e as coisas pareciam tão cheias de curvas.
Ela cai e quando acorda, percebe um rosto conhecido, ainda bem.
Menina onde passou o dia, que não te vi na feira?
Está ardendo em febre. E esse pé? O que aconteceu com ele?

Ela - Foi o caixote do seu Maurício que caiu e eu fui ajudá-lo, então pisei num prego.
Dona Maria, nem quis saber do resto, já foi levando a menina ao homem de branco, aquele que usava um aparelhinho estranho.
E o pavor da menina ao ver aquela agulha?
Mas o moço de branco a tranquilizou.

Ele perguntou se aquele machucado estava doendo muito.
A menina com lágrimas no rosto, um choro calado só balançava a cabeça afirmativamente.
Então ele disse. Pois eu prometo querida, que isso aqui irá doer menos que seu machucado, e logo vai passar a dor aí dentro tá?
Ela - Tá.
Ele então enfiou aquilo no pezinho dela e depois cortou e cortou de novo, mexeu lá dentro e depois costurou, como costura roupa rasgada.

Ela observava...

Depois outro aparelho com agulha no braço e mais outro.
Ela - Moço eu posso ficar aqui hoje?
Ele disse mas sua mãe está lá fora esperando você menina.
Ela - Não, ela é dona Maria, a senhora que vende frutas e verduras na feira.
Ele - Sim e cadê seus pais?
Ela baixou a cabeça e não levantava.

Ele pegou no rostinho dela e lhe perguntou: Como se chama?
Ela - Fernanda.
Ele - onde você mora Fernanda?
Ela - Na rua.
Ele - Aquela senhora cuida de você?
Ela - Não. É que eu ajudo a guardar as frutas e ela me dá café com pão, ou então fruta, e eu vou para a escola depois.
Ele - Mas ela sabe que você mora na rua?
Ela - Ela nunca me perguntou. Moço será que eu posso ficar aqui hoje?
Ele - Pode sim, agora procure dormir.

Depois dona Maria vai até ela e lhe diz que precisa ir para casa, e que o médico falou que ela iria ficar lá naquela noite. Nisso o esposo de dona Maria zangado, chama por ela e ela não tem tempo de se despedir e se vai.

O médico volta mais tarde com um lanche.
Ele - Tenho que avisar a assistente social que você está aqui.
A menina quis pular da cama.
Ele - Não tenha medo mocinha, ela irá cuidar de você muito bem. Vai lhe levar para um lugar onde tenha outras crianças, e uma caminha e comida. Você precisa de cuidados com esse machucado.
Ela - É um orfanato?
Ele - Talvez.
Ela - Não precisa não moço, eu já tenho meu lugar de ficar.

Ele -Menina, a rua não é lugar para garotinhas.
Ela - Mas eu já cresci, tenho muitos amigos, tenho até um que é muito gigante.
Ele - Ele É? Então me diz o nome dele?
Ela - É mar.
Ele - Emar? Emar de quê?
Ela - Não moço, mar, aquele que tem ondas e água, e barco, e peixe.
Ele - Háá. Escuta Fernanda, mar não é gente.
Ela - Eu sei.
Ele - E então?
Ela - Mas é meu amigo.

Ele - Sim, agora  eu vou precisar ir, vá dormir, amanhã vamos ter novidade para você tá?
Ela - No orfanato?
Ele - Sim. Você irá gostar.

Momentos depois...

Ela – Deus, se eu levar esse lençol só hoje para me cobrir e amanhã vir devolver, vou estar roubando? Diz alguma coisa Deus, eu preciso fugir de novo.
Nisso entra uma moça de branco e me dá uma pílula.
A moça - Ainda acordada querida?
Ela – Sim, estou sem sono. Moça, vocês tem muitos lençóis desses?
A moça - Na medida certa.
Ela - Então você me empresta esse aqui, e eu te devolvo pela amanha?
A moça - Claro querida é seu.
Ela - Obrigada Deus, a moça deixou comigo, amanhã eu trago de volta.

Então a menina sorrateiramente saiu de lá com o lençol.
Aquela noite estava muito fria e ela precisava se aquecer.
No outro dia, com o pezinho gordo, e mancando levou de volta o lençol, mas lá perto pediu para seu amigo Rafa deixar dentro do balde.
Pronto já devolvi, pensou.
Agora ela sabia que carecia apenas de repouso, e para isso tinha o banco da praça.

Autoria: Maria Fernanda

Um comentário:

  1. Sei bem desta historia.
    Emocionante Nanda.
    Mas anjos existem e assim um apareceu.

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depois que a letra nasce
não há silêncio
há um choro que só eu ouço
e um medo que ninguém vê
o medo de mostrar demais
de sangrar diante de estranhos
de ser lida com desdém
ou pior: com pressa
porque parir palavras
é também deixar o peito aberto
num mundo que não sabe lidar
com quem sente fundo
a escrita respira fora de mim
e eu, nua, assisto
alguns dizem que é lindo
outros nem leem até o fim
há quem tente vestir meu poema
com a própria assinatura
como se dor fosse transferível
como se parto tivesse atalho
e é aí que mais dói
quando roubam o nome da minha filha
e fingem que nasceu de outra boca
quando arrancam o umbigo do texto
e dizem: “isso é meu”
não é
eu sei cada madrugada que ela levou
cada perda que empurrou esse verso
cada lágrima que virou frase
não quero aplauso
mas exijo respeito
porque minha escrita
anda no mundo com meu rosto
meus olhos, minha história
e quando alguém a toma como se fosse nada
está me dizendo:
“você também é nada”
mas eu sou tudo
o que ninguém teve coragem de escrever
e continuo parindo
mesmo ferida
porque escrever é a única forma
que conheço de sobreviver
(Fernanda)