Tenho um metro e oitenta. Isso já é o suficiente para escutar “nossa, que alta!” umas quatro vezes por semana, três delas vindas de completos desconhecidos que acreditam estar revelando uma informação inédita. Como se eu, com minha testa perigosamente próxima dos batentes de porta e minha eterna dificuldade em encontrar calça comprida que chegue até o tornozelo, não soubesse disso.
Mas aí… eu resolvo colocar salto alto.
Sim, salto alto. Aquela peça de ousadia, desequilíbrio e um tantinho de provocação. Não por necessidade porque, vamos combinar, se tem uma coisa que eu não preciso é de mais centímetros mas por gosto. Por afronta poética ao senso comum. E porque sou uma mulher!
Basta eu sair com meus onze centímetros a mais que o mundo entra em colapso. As pessoas me olham como se eu estivesse desafiando a gravidade e a lógica social ao mesmo tempo.
“Mas você já é tão alta!” dizem.
E daí? penso, enquanto sorrio com a delicadeza de quem já ouviu isso umas quinhentas vezes e aprendeu a dançar no desconforto alheio.
Porque, veja bem: usar salto alto quando você já é alta não é só sobre moda. É um ato de resistência estética. É sobre não se curvar para caber. É dizer: eu sei que estou um palmo acima do padrão, e não vou me abaixar para parecer aceitável. É ocupar espaço sem pedir desculpas e, de quebra, fazer barulho elegante no chão de madeira.
O salto me dá “poder”, mas não porque me deixa mais alta. Ele me deixa mais minha. Porque eu o escolho mesmo quando o mundo acha “demais”. Porque eu canso de me adaptar e resolvo, por um instante, me elevar literalmente e simbolicamente. E tenho motivos e você vai entender.
E se alguém se sentir desconfortável com a minha altura aumentada, sugiro apenas uma coisa: que se eleve também. Nem que seja na alma.
A altura, aliás, sempre foi um assunto desde a infância. Quando criança, eu já era “a grandona”. Aquela que aparecia na foto da turma como se tivesse sido transferida de sala por engano.
E enquanto minhas colegas ainda brincavam de boneca, eu já precisava escutar piadinhas de adulto:
“Nossa, mas você tem quantos anos mesmo?”
“Vai jogar basquete?”
“Vai ser modelo?”
Mal sabiam que eu só queria caber no balanço da pracinha sem ser retirada de lá por algum funcionário da prefeitura com a sensibilidade de um poste.
Sim, acontecia. Várias vezes. Eu me sentava no balanço com o cuidado e a alegria infantil de qualquer criança e lá vinha o aviso:
“Você não pode ficar aí, esse brinquedo é para crianças menores.”
Mas eu era uma criança. Só que em tamanho ampliado.
Me lembro de rir por fora acanhada, e me encolher por dentro.
Era como se o mundo dissesse: “você é grande demais para isso” para o brinquedo, para o choro, para a fragilidade. Desde cedo, fui convidada a crescer por fora e por dentro ao mesmo tempo. Mas o lado de dentro pedia colo, pedia espaço, pedia um balanço que me coubesse sem julgamento.
Hoje, adulta, entendo que o salto alto que uso diariamente físico, simbólico, emocional começou ali. Quando tive que me retirar de um brinquedo por ser “grande demais”. Quando precisei caber nas expectativas, e não nos balanços.
Mas olha só: sobrevivi.
E mais do que isso aprendi a fazer do meu tamanho não um incômodo, mas um ponto de vista. De cima, sim. Mas com empatia. Com humor. Com força.
E ainda me pergunto: por que é que o mundo insiste tanto para que a gente se encaixe, se ele mesmo é tão mal projetado para corpos reais?
A verdade é que aprendi a viver assim rindo dos sustos alheios, das portas baixas, das cadeiras pequenas, e dos homens que encolhem quando eu chego.
Subo no salto, e sigo.
Porque se é pra ser grande, que seja com intenção.
Risos…
Fernanda!...
ResponderExcluirDizem que os sonhos andam lá no alto...
Talvez a tua altura te aproxime dos sonhos
A vida é sempre melhor depois de uma escalada desafiadora...
Contudo... numa floresta de gigantes, um pequeno arbusto pode tocar as estrelas!
Um beijo.