12 novembro, 2015
Um conto real de Natal
Época de natal, estava arrumando papelão para um amigo, um senhor de cabecinha branca que me presenteou com uma viola de verdade que achou na lixeira. Aquele presente me alimentou por muito tempo, porque ele a tornou especial.
A viola estava sem cabo, mas continha a parte maior e o cabo estava solto dela. As cordas dançam sem estrutura, mas meus olhos brilharam de alegria. Ele a consertou para mim, colocou um outro pedaço de madeira como um cabo, eu não lembro direito se era mesmo madeira, porque era muito pequena e não conhecia muitas coisas, mas era como se fosse, depois arrumou as cordas e ela tocou.
Ele sempre olhava pro tempo como se houvesse algo preso naquele horizonte, e ele acreditasse que pudesse manter ali, porque o feria e feria. Uma certa tarde, época de natal, as pessoas amontoavam as ruas e lojas, e nós dois estávamos presenciando o movimento. Uns três casais de jovens passavam por nós e uma moça olhou para o lugar que estávamos sentados e disse: "estão pesquisando as lojas para roubar a noite? Vai trabalhar tio, ninguém está aqui para sustentar malandro". O rapaz também completou: "e ainda acha que pode ficar aí tomando os lugares de pessoas decentes. Cai fora tio. Vocês são um problema para a sociedade".
Eu disse: não pode falar assim com ele, ele é bom e tem cabelos branquinhos, você deve respeitar os mais velhos, dona Célia dizia isso e eu lembro, então peça desculpas. Eles riram. O som da risada ecoava de tão alto. Miguinho (apelido do meu amigo) me pegou na mão e saímos do banco.
Ficamos um longo tempo em silêncio, até que eu o quebrei. Miguinho?
-Hum...
Eu - Por que você aceitou o que eles fizeram, sem dizer a eles que lhe tivesse respeito?
Ele - É que neste mundo querida, você irá compreender mais tarde, pessoas como nós não têm direito a respeito.
Eu - Mas não entendo, o padre na missa diz que todos somos iguais, e se somos iguais nós dois estávamos sentados no lugar certo.
Ele - Querida, aprenda uma coisa, a maioria fala da boca pra fora, eles não sabem o que é compartilhar.
Ficamos outra vez em silêncio...
Novamente eu o quebrei dizendo: Miguinho, por que você vive nas ruas?
Ele - Você não entenderia querida.
Eu - Eu sou bem inteligente, foi você quem disse, e as pessoas inteligentes entendem das coisas.
Ele - Olhou para mim e com um ar de riso continuou: Um dia esse seu amiguinho aqui, já foi uma pessoa bem conceituada.
Eu - O que quer dizer conceituada?
Ele - Uma pessoa que tem prestígio.
Eu - Que pode sentar no banco sem ser enxotado?
Ele - Riu e concordou. Mas um certo dia, o meu filho mais novo se formou em administração, e já havia o mais velho que era advogado, os dois decidiram que eu já não tinha condição de dirigir nosso negócio por causa de um lapso de memória que vez ou outra surgia. Então me puseram num abrigo, alegando que em casa não poderia ficar porque poderia entrar em depressão. Eu aceitei para ver até onde eles poderiam ir. Talvez quisesse provar para mim mesmo que eles não ousariam tanto. Mas ousaram ir até mais além. E hoje eles administram o que tanto trabalhei para ter e eu apenas observo de longe tudo.
Eu - Então é por isso que olha tanto pro tempo com olhos molhados?
Ele - Sorriu novamente e disse: não só por isso nandinha. Penso que se a mãe deles estivesse conosco, talvez eu os tivesse criado da maneira certa.
Eu - Mas você criou. Eles tinham pai, lar, comida, escola e amor.
Ele - É querida, mas acho que eu amei errado, dei tudo que eles queriam e não lhes deixei fazer esforço para isso, e quando eles me viram esquecer algumas coisas, tiveram medo de que eu perdesse o nosso patrimônio e me internaram, ou melhor me jogaram fora como lixo.
Eu - Miguinho, não fica triste não, você deu tudo o que tinha, o que sabia. Se errou foi sem querer e quando é assim o Senhor do alto, arruma um jeito de ensinar o que você não soube a eles. Um dia eles irão aprender e se arrepender.
Ele - Desde então saí do abrigo onde eles nunca foram me visitar, e vivo por aqui nas ruas. Mas era para ser assim, achei você e temos um ao outro e você é meu presente de Natal, sabia?
Eu - Sorri e lhe beijei a testa. Miguinho, eu acredito que eles te amem mesmo depois de tudo o que fizeram.
Ele - Quem ama amiguinha, não maltrata.
Ela - Miguinho, escuta só uma coisa. O Senhor do alto muitas vezes nos ensina de maneira que a gente não entende, mas é algo que nos ajuda um dia. Eu, quando fugi do orfanato, sofri porque deixei uma menina que era muito mais nova que eu e dormia comigo, e eu cuidava dela. E mesmo amando a Julinha, eu não suportei ficar por lá, mas sei que ela aprendeu a se cuidar, porque quando ficamos de frente com a dor, de alguma forma buscamos alívio para ela, e esse alívio pode vir num remédio, num carinho, num ato. Mas quem está por detrás?
Ele - Quem amiguinha?
Eu - Apontei o dedo para o céu e depois disse: O Senhor do alto.
Ele - Nanda, por que fala tanto no Senhor do alto?
Ela - Porque se não fosse Ele não estaríamos aqui sendo amigos, oras!
Ele riu. Nanda você é sabia.
Eu - O que é sabia?
Ele - É compreender as pessoas lá na essência. Você está certa, nem merecia esse presente na vida, e o Senhor do alto seu amigo me deu.
Eu - Nosso amigo.
Ele - Sim nosso amigo. Ele faria qualquer coisa por nós dois e pelo mundo inteiro. Porque ele é pai. Pai Noel de todo dia.
_______
Fernanda
Um comentário:
Tenho olhado o tempo...
Quando estou tomando um café, ou na varanda.
Quando estou mergulhada nos livros, ou no trabalho.
Ele me diz: Paciência Fernanda.
Sim tempo, eu tenho paciência...
Fernanda Marinho
Ah posso pedir para me conhecer melhor?
Então vem aqui ó!
https://linguagem-miuda.blogspot.com.br/
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As tuas histórias são bocados reais de vida que um dia devias partilhar em papel para que o mundo saiba como no meio das pedras ainda podem nascer flores !
ResponderExcluirAbençoada és !
Beijo meu anjo !