O Retorno ao Propósito
Helena nunca soubera exatamente o que ela era, mas começou a intuir. A cada gesto, a cada olhar dado, a cada palavra que saía de seus lábios, uma parte dela se libertava. Ela sentia que a missão, aquela que um dia fora confiada a ela, não era algo que se alcançava, mas algo que se irradiava, sem pressa, sem peso.
Mas o despertar verdadeiro aconteceu em uma tarde, quando a chuva caiu de repente, e a cidade se encheu de um cheiro de terra molhada. Ela estava em casa, na varanda, quando ouviu uma batida suave na porta.
Era Samuel, com os olhos tristes. Ele não costumava aparecer sem avisar. Seu filho, um dos alunos dela, estava perdido. Desaparecera. Não se sabia onde estava.
A aflição de Samuel era palpável, e Helena sentiu seu coração apertar. Algo dentro dela disse que aquele momento não era um acidente. Que ela estava, mais uma vez, sendo chamada. Não para salvar, mas para ser farol.
— Eu não sei onde ele está, Helena. Ele… ele está indo pelo caminho errado. Eu sinto isso.
Helena olhou para ele, mas, ao invés de palavras, algo mais profundo se manifestou. Ela não precisava de respostas lógicas. Sabia exatamente o que deveria fazer. Porque, no fundo, ela não estava ali para resolver, mas para guiar. Para ensinar o caminho, mesmo quando ele não fosse claro.
— Vamos procurar juntos. — Ela disse, com a certeza que só quem já viveu o impossível pode ter.
Os dois saíram sem pressa. A cidade, banhada pela chuva, parecia um cenário de filme. Ao longo das ruas molhadas, Helena guiava Samuel sem palavras, apenas com o olhar atento, com a paciência silenciosa. Eles não tinham mapa. Não sabiam onde o garoto estava. Mas Helena sabia, no fundo, que a busca não era para encontrar alguém — era para relembrar a quem procurava o caminho.
Após horas de procura, eles chegaram a um beco esquecido, no fim da cidade. Lá, embaixo de uma marquise, o garoto estava. Sentado, perdido, olhando para o vazio.
Ele levantou os olhos quando os viu. Não havia surpresa em seu olhar, apenas cansaço. Cansaço de não saber quem ele realmente era, cansaço de tentar se encaixar no mundo sem encontrar seu próprio ritmo.
Helena se aproximou, e a primeira coisa que fez foi se ajoelhar ao seu lado. Olhou para ele com ternura, como se o enxergasse não como quem busca respostas, mas como quem vê o ser em sua totalidade.
— Não é sobre onde você está — ela disse, com uma voz suave e cheia de sabedoria. — É sobre quem você se permite ser. O caminho não é o que os outros traçam para você. O caminho é o que você sente no peito.
O garoto a olhou, sem entender, mas algo nele se acendeu. Algo se mexeu, como se as palavras de Helena tivessem tocado um lugar profundo, mais antigo do que ele mesmo. O medo começou a desaparecer.
E quando, por fim, ele se levantou, Samuel, com olhos marejados, abraçou o filho.
Helena observou a cena, o calor do momento. Ela sabia que sua missão não era simplesmente encontrar as pessoas — era ajudá-las a se reencontrarem. A verem em si mesmas a luz que carregavam, mesmo quando achavam que estavam perdidas.
No caminho de volta, Samuel a olhou com gratidão.
— Você… você fez mais do que eu imaginei que fosse possível. Como soube?
Helena sorriu, olhando o céu que começava a se limpar.
— Eu não soube. Eu só segui o que meu coração me disse. Às vezes, o amor se encontra nos gestos simples, nas palavras não ditas, nos olhares que curam. Não é sobre procurar um caminho, é sobre se deixar ser o caminho.
E, naquele momento, algo em seu peito se aquietou. Ela não buscava mais o amor. Ela era o amor, simplesmente. E foi isso que ela trouxe de volta à Terra, para aqueles que cruzavam seu caminho.
Ela sentiu o vento, quase como se ele estivesse dizendo adeus. Ou talvez, como se estivesse chamando-a de volta.
Clara — agora Helena — olhou uma última vez para a cidade e, com uma leveza nova em seu ser, soube que sua missão estava, de fato, cumprida.
Mas a jornada continuaria. Ela não buscaria mais o final. Ela sabia que o amor nunca se perde, apenas se transforma, e seu propósito era ser essa transformação.
Continua...
Olá, querida amiga Fernanda!
ResponderExcluir"O caminho não é o que os outros traçam para você. O caminho é o que você sente no peito."
Eu creio...
Ditadores querem governar nosso caminho. Ele é o Caminho.
Tenha um tríduo pascal abençoado!
Beijinhos fraternos