✿Aguarde os próximos capítulos...✿
21 maio, 2025
“Que país é esse?”
8 comentários:
depois que a letra nasce
não há silêncio
há um choro que só eu ouço
e um medo que ninguém vê
o medo de mostrar demais
de sangrar diante de estranhos
de ser lida com desdém
ou pior: com pressa
porque parir palavras
é também deixar o peito aberto
num mundo que não sabe lidar
com quem sente fundo
a escrita respira fora de mim
e eu, nua, assisto
alguns dizem que é lindo
outros nem leem até o fim
há quem tente vestir meu poema
com a própria assinatura
como se dor fosse transferível
como se parto tivesse atalho
e é aí que mais dói
quando roubam o nome da minha filha
e fingem que nasceu de outra boca
quando arrancam o umbigo do texto
e dizem: “isso é meu”
não é
eu sei cada madrugada que ela levou
cada perda que empurrou esse verso
cada lágrima que virou frase
não quero aplauso
mas exijo respeito
porque minha escrita
anda no mundo com meu rosto
meus olhos, minha história
e quando alguém a toma como se fosse nada
está me dizendo:
“você também é nada”
mas eu sou tudo
o que ninguém teve coragem de escrever
e continuo parindo
mesmo ferida
porque escrever é a única forma
que conheço de sobreviver
(Fernanda)
Belíssima a interrogação. ”Que país é este? Que país é esse… onde se ora com fé, mas se anda com medo? Onde o povo dança, mas a alma tropeça em desigualdades que não se curam? Onde a natureza é sagrada, mas segue ferida pelas mãos que deveriam protegê-la?”
ResponderExcluirPois é, somos um país muito grande, com vícios do tamanho dele, incuráveis, incontornáveis. Não há clínica que nos ampare desses vícios ou os corrija. E uma classe política que só sabe rezar o “venha a nós” ao vosso reino, nada. Que, infelizmente, só sabe tirar... Para eles não interessa cuidar seriamente da educação etc. etc... Repartir o bolo etc... Os que podem não querem pagar o imposto de renda, e se pagassem seria surrupiado pela classe política, sem distinção. Todos se chamam Gérson. Só querem levar vantagem. Encheria laudas... Se listássemos “os casos cabeludos de ontem e hoje ocorridos neste país, ficaríamos de queixo caído... Somente de ontem e hoje...
Mas falemos da beleza do seu texto. Que bela transfiguração para situar este país neste cenário de desigualdades, elas só crescem...
Desculpe-me, Fernanda, carreguei nas tintas, mas como dizia Cuíca de Santo Amaro, um grande cordelista da nossa terra: “a verdade dói, mas não podemos escondê-la”.
Pode se dar jeito, há saída, mas "os home" não querem porque eles se locupletam com esse status quo.
Meu fraternal abraço,
Querido Eros,
ExcluirTua resposta é como um espelho que não treme diante da imagem que reflete nítida, amarga, verdadeira. E é justamente essa clareza que torna teu comentário tão necessário.
A interrogação “que país é esse?” ecoa forte porque não é apenas uma dúvida, é um grito. Um grito de quem ama demais para fingir que não vê, de quem não se conforma, de quem sabe que a beleza do povo e da terra não merecia tanto descaso, tanto abandono.
A pintura que você fez com suas tintas carregadas não é exagero. É precisão. É o retrato de uma nação cheia de luz, mas coberta por sombras persistentes. Um país com alma de fé, mas joelhos feridos por tanto dobrar diante de injustiças. Onde a música embala a esperança, mas a fome ainda tem nome, cor e endereço.
E sim, Eros… há saída. Mas, como você bem disse, os que governam em sua maioria não querem. Porque a desigualdade sustenta privilégios, e a ignorância sustenta o poder. É doloroso admitir, mas só quem ama de verdade tem coragem de falar essas verdades em voz alta. Recebo tuas palavras com o mesmo espírito com que escrevi: não para acusar, mas para provocar consciência. E, quem sabe, despertar uma vontade nova, uma semente de transformação.
Obrigada por tua lucidez fraterna e tua coragem de nomear o que tantos apenas murmuram. Que nunca percamos essa mistura sagrada de indignação com esperança porque ainda acredito que essa terra, ferida e rica, há de florescer de novo, pelas mãos de quem não desiste.
Com carinho,
Fernanda
Amiga querida, que postagem maravilhosa, esse teu texto precisa ser lido por muitas pessoas! Somos nós, o povo se expressando, pois é isso que vivenciamos há muito tempo.
ResponderExcluirHá coisas que estão muito difíceis, parece um país travado. Estamos cansados, sim. A segurança está muito ausente, esse é o ponto nevrálgico no nosso país! Ligo a televisão e as notícias são trágicas, parece filme de terror.
A corrupção anda a passos largos, Senhora de si......E quem não sabe? Quem não viu a última?
É difícil vivermos entre o bem e o mal. Grande sofrimento, pobre povo brasileiro!
Abraço-te, querida amiga, aplausos pelo forte e belo texto!
Beijo, paz e saúde!
Tais, minha amiga querida,
Excluirteu comentário me abraçou com verdade e consciência. É isso mesmo: estamos exaustos, e às vezes parece que a esperança caminha com os pés feridos. Mas seguimos por nós e pelos que ainda acreditam que é possível transformar, nem que seja palavra por palavra, gesto por gesto.
Obrigada por teu olhar atento, tua voz junto da minha. Seguimos em par, na lucidez e na esperança.
Te abraço com gratidão, paz e coragem.
Beijo no coração!
Olá, Fernanda, já acompanho seu blog que me foi indicado pela Taís.
ResponderExcluirQue país é esse, você diz neste seu belo texto poético.
O Brasil é nosso país, com suas contradições e com gente boa e má. Aqui temos obras de um Cândido Portinari, temos grandes contrabandistas, mas temos também um João Carlos Martins, pianista célebre e grande maestro, temos também quem rouba aposentados e pensionistas, mas temos também um Iberê Camargo, pintor de elevado talento, temos os feminicídas que matam quando deixaram de ser amados, mas temos também um Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade e Vinicius de Morais. Esse é o país que temos, com coisas boas e coisas más. Torcemos para que tirem o joio do trigo.
Meus votos de uma boa continuação de semana, cara Fernanda.
Gostei muito de conhecer seu blog.
Um abraço.
Olá, Pedro,
ExcluirQue alegria receber sua presença por aqui, vinda pelas pontes afetivas que Taís tão bem constrói!
Sua leitura e comentário ampliam e aprofundam o que escrevi. O Brasil, como você bem disse, é terra de extremos onde convivem o lirismo e a dor, a grandeza da arte e a mesquinhez da corrupção. Somos atravessados por Portinari e Drummond, mas também pelas ausências de justiça e dignidade que insistem em persistir. Seguimos, como você tão bem colocou, torcendo
(e agindo, quando possível) para que o joio vá sendo separado do trigo mesmo que esse campo pareça vasto demais, ou o tempo, lento demais.
Muito obrigada pelo carinho e pelas palavras tão generosas. Volte sempre. Esta casa é sua também.
Um abraço afetuoso
Fernanda
Eis uma boa pergunta: O que é o Brasil? Analisando amplamente, vejo que o país é o retrato de como ele foi construído. Isso aqui era para ser apenas uma colônia exploratória para Portugal, acabou tomando maior importância quando a corte portuguesa pra cá se mudou fugindo de Napoleão.
ResponderExcluirNada foi planejado. Falta-nos até hoje, um planejamento de país. Infelizmente, década após década, nossos governantes se preocupam apenas com a política pequena.
Evidente que temos um bom povo, temos um cultura rica. Temos uma das melhores músicas do mundo, temos samba e futebol. Mas sinceramente, se eu tivesse dinheiro, já teria ido morar em outro país mas civilizado pois não vejo um bom futuro para o Brasil. Aliás, não vejo bom futuro pra nenhum lugar do mundo, porém, hoje, temos lugares bem melhores pra se viver do que aqui.
Falta de patriotismo? Não, só excesso de realismo.
Querido Eduardo,
ExcluirCompreendo a tua dor ela é legítima, como legítima é a frustração de quem olha para o Brasil e vê tanto potencial desperdiçado. Tu tens razão em muitos pontos: nossa história foi feita às pressas, como se o país fosse um acidente geográfico mais do que um projeto de nação. De fato, fomos colônia, fomos despejo da corte, fomos quintal do mundo por muito tempo. E ainda somos, de certa forma. Mas quero te oferecer outra lente: a ternura.
O Brasil não é só Brasília, nem só os escândalos que machucam nossa esperança. O Brasil é também aquele senhor que planta árvores na calçada para fazer sombra para os vizinhos que ele nem conhece. É a menina que canta Marisa Monte numa praça vazia. É a senhora que borda tapetes de retalhos para o bazar da igreja. É o pescador que conhece o mar pelo cheiro e o sertanejo que sabe o tempo só de olhar o céu. O Brasil é quem carrega o país, dia após dia, mesmo sem receber aplauso nenhum.
Eu não defendo o Brasil por cegueira ou patriotismo vazio. Defendo por amor. E o amor, Eduardo, é a única forma de realismo que não desiste.
“Fugir”pode ser compreensível quem não se cansa de remar contra tanta maré? Mas há quem fique, não por ilusão, e sim por compromisso. Não com os governos, mas com o povo. Com a beleza que ainda resiste. Com a chance de fazer diferente, mesmo que seja apenas no quintal de casa, numa escola pública ou num texto como este.
O futuro pode ser sombrio em qualquer canto do planeta, é verdade. Mas é aqui que florescem ipês em setembro, mesmo quando tudo parece seco. É aqui que uma criança ainda aprende a dançar forró com o avô, e uma comunidade se junta para erguer um muro caído.
Talvez o Brasil não precise de mais realismo, Eduardo. Precise de mais gente real que o ame, mesmo ferido, mesmo falhocomo se ama um filho doente. Porque só quem ama, cuida. Só quem fica, transforma.
Com ternura e esperança,
Fernanda