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Eu amo escrever. Escrevo porque às vezes não cabe tudo aqui dentro. Porque há sentimentos que só se organizam quando viram palavras, e pensamentos que só fazem sentido quando dançam na página. Amo também olhar o céu e talvez isso diga tudo. Há quem olhe o céu para prever o tempo, eu olho para prever a mim mesma. Há algo em observar as nuvens, as estrelas ou o silêncio azul que me faz lembrar que existe poesia mesmo nos dias comuns. Este blog nasce desse encontro: entre a escrita e o céu. Vai ser um espaço para dividir pensamentos, contar histórias, guardar pedaços de mim e talvez, de você também, que me lê agora. Obrigada por estar aqui. Que você se sinta à vontade. Que cada texto seja como uma janela aberta, onde o vento entra leve e, quem sabe, traz um pouco de luz também

✿Amor sempre....

✿Amor sempre....
Caminho entre flores. O chão continuará pra nós com outras paisagens. Sou o que sou, porque é tudo que sei ser. E todo meu olhar escrito que você nunca aprendeu a ler, permanecerá no descaso para quem não compreende.

08 junho, 2025

Plantão

Aleatoriamente um toque de poesia

A sala já estava quase vazia quando eles chegaram. Não com pressa, não com urgência. Apenas chegaram como quem chega sempre, como quem sabe que ainda dá tempo. E deu.
Ela, de azul vivo, cabelos brancos e passos cautelosos. Ele, de branco e sandálias, firme ao seu lado, como quem há muito tempo aprendeu a ser amparo. Um braço entrelaçado no outro, não só por apoio físico, mas por tudo que a vida exige da gente quando se escolhe não soltar a mão.

Não disseram muito. Trocaram olhares e seguiram juntos até a porta de vidro fosco. Lá dentro, cadeiras enfileiradas, uma mesa com papéis, uma flor amarela quase esquecida no canto. Era o cenário de sempre mas aquela cena não era.

Enquanto caminhavam, os sons do dia começavam a se calar: o barulho dos computadores diminuía, as conversas rareavam, o ar-condicionado já nem se notava. O plantão, cansado, despedia-se com discrição.

Do meu canto, enquanto tomava um gole de café para ajudar a despertar,  observei em silêncio. E, naquele instante comum, me dei conta de que havia ali uma lição discreta  talvez a mais bonita do dia: o cuidado que atravessa o tempo. A delicadeza de um gesto que ninguém aplaude, mas que sustenta mundos. O amor que não grita, mas caminha devagar, lado a lado, todos os dias.
Não vou me alongar  no motivo da  consulta. Mas sei que, para além dos exames e receitas, eles trouxeram algo que nenhum remédio entrega: a lembrança de que, no fim das contas, é isso que cura  ser presença. E permanecer. O relógio marcava o fim do meu expediente. Mas, ali, diante deles, meu turno terminava com outra certeza: certas pessoas não entram numa sala. Elas nos atravessam.

18 comentários:

  1. Querida Fernanda, que belíssimo texto lindo, humano, e carregado de poesia, sim. Fiquei a imaginar o plantão; entra gente, sai gente triste e carente de cuidados.
    Realmente é nossa fragilidade que ali está, dependente e com esperança de que tudo saia o melhor possível.
    É sempre assim, amiga, a parte vulnerável a que somos expostas, e quando encontramos almas excelentes, encontramos um pouco de paz.
    Aplaudindo daqui, querida amiga! Que texto comovente... parece que estou vendo você nesse cantinho olhando e pensando, com esse seu coração de ouro...
    Votos de uma feliz semana, querida.
    Beijinho, saúde e paz. Cuide-se.

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    1. Tais, querida, que comentário acolhedor e cheio de sensibilidade…
      Você leu com o coração e isso transparece em cada palavra. Sim, aquele plantão me marcou profundamente… era como se o tempo ali se esticasse entre suspiros e silêncios, entre a espera e a esperança. E, como você tão bem disse, é nesses momentos de fragilidade que a presença de almas cuidadosas se torna um verdadeiro bálsamo.
      Agradeço de coração pelo carinho e pela leitura atenta. Suas palavras me abraçaram. Uma semana linda pra você também, com saúde, serenidade e poesia.
      Beijinho com afeto

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  2. This is a beautiful and deeply touching reflection. Your words paint such a vivid and tender picture of the couple. The observation about the quiet power of their presence and the subtle lesson in enduring care is truly profound. It reminds us that often, the most significant moments are found in the simplest gestures.

    www.melodyjacob.com

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    1. Querida Melody,
      Muito obrigada pelas suas palavras tão generosas e sensíveis. Fico profundamente tocada por perceber como você captou com delicadeza o que tentei transmitir essa força silenciosa que habita a presença, esse cuidado que não precisa ser anunciado, mas que permanece, firme e sutil. E sim, como você bem disse: muitas vezes, os momentos mais significativos se revelam nos gestos mais simples.
      Gratidão por ler com o coração e por compartilhar esse olhar tão bonito.

      Com carinho e luz
      Fernanda!

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  3. Ser presença. Permanecer. O cuidado que atravessa o tempo. Minha Amiga Fernanda, este texto além de comovente é uma descrição maravilhosa de como o ser humano é capaz de ter gestos que vão para além da mera rotina dos dias e sabe cuidar de quem ama. Uma narrativa belíssima.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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    1. Querida Graça,
      Receber suas palavras é como ouvir um eco suave da própria emoção com que escrevi esse texto. Você sempre lê com a alma, e é exatamente isso: ser presença… permanecer mesmo quando tudo parece ruir, encontrar no cuidado um modo silencioso de dizer “estou aqui”.
      Fico muito tocada por sua leitura atenta e pela generosidade com que acolhe o que escrevo. Que bom quando conseguimos reconhecer, uma na outra, essa mesma sensibilidade pelas pequenas (grandes) coisas da vida.
      Um beijo cheio de carinho e gratidão. Que a sua semana também seja leve e bonita, como você!

      😘

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  4. Um belíssimo texto poético que retrata com mestria uma forma de amor sem ruido, seja próprio ou de fundo.
    Os meus aplausos para o seu talento para a escrita.
    Boa semana querida amiga.
    Um beijo.

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    1. Querido Jaime,
      Receber seu olhar sempre é motivo de alegria você tem o dom de perceber a essência do que escrevo e de traduzi-la em palavras delicadas. Esse
      “amor sem ruído” que você nomeou com tanta sensibilidade é exatamente o que me tocou ao escrever: uma presença silenciosa, mas profundamente eloquente. Obrigada, de coração, pelo carinho, pela leitura atenta e pelos aplausos que guardo com gratidão. Uma semana linda pra você também, com serenidade e inspiração.
      Um beijo com estima 😘

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  5. Ser presença. amparo, aconchego...
    Lindo te ler!
    beijos, ótima semana! chica

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    1. Chica querida,
      Que alegria receber suas palavras sempre tão acolhedoras!
      Sim… ser presença, amparo, aconchego é nisso que mora a verdadeira beleza dos afetos, não é?
      Fico muito feliz que tenha sentido isso na leitura.
      Obrigada pelo carinho de sempre!

      Beijos com afeto e uma semana linda pra você também! 😘

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  6. Olha, é uma profissional rara, daquelas que conseguem enxergar as pessoas além do óbvio. Tenho um exemplo na família: meu pai, durante 10 anos, teve um cuidado exemplar cuidando da minha mãe que foi ao longo dos anos, se perdendo em si mesma, vítima do Alzaheimer.

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    1. Eduardo,
      Suas palavras me tocaram profundamente… Que gesto bonito o do seu pai um amor que se revela na persistência do cuidado, mesmo diante da dor de ver quem amamos se apagando aos poucos. É preciso uma grandeza imensa para permanecer, para enxergar além do óbvio, como você bem disse. Seu comentário confirma que, sim, existem pessoas que carregam no coração essa delicadeza firme, que sustenta o outro mesmo no silêncio da perda. Obrigada por partilhar algo tão íntimo e comovente. Receba meu carinho e respeito. Que a memória desse cuidado siga sendo um farol.

      Obrigada 🙏🏻
      😘

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  7. Querida amiga Fernanda, já usei o SUS e Planos de Saúde, tratamentos bem diferenciados, entretanto, como me porto igual, não tenho do que me queixar.
    Médicos, enfermagem, atendentes, todos educados.
    Temos que dar para receber.
    A cena descrita por você, com tanto carinho, é para refletirmos mais em como nos portarmos quando precisamos de ajuda seja médica ou não: com humildade.
    Para atravessamos o coração dos que nos atendem com compaixão, precisamos ser compassivos.
    Você retribuiu o que recebeu, mérito de ambas as partes, certamente.
    Sinto que a prepotência de quem chega não leva a bom termo.
    Seu texto tem pérolas entrelaçadas nas palavras.
    Tenha uma nova semana abençoada!
    Beijinhos fraternos de paz e bem

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  8. Querida Roselia,
    Suas palavras são como um abraço de sabedoria e serenidade. Você tocou num ponto essencial: a maneira como nos colocamos diante do outro especialmente em momentos de vulnerabilidade pode abrir caminhos de compaixão ou de distanciamento.
    É verdade… humildade, respeito e empatia são laços silenciosas que alcançam o coração de quem cuida. E quando esses gestos se encontram, como você bem disse, há mérito em ambas as partes. Fico muito feliz que tenha sentido essas “pérolas” no texto elas nascem justamente desse olhar atento que você tem para a vida. Obrigada, sempre, pela generosidade com que lê e comenta.

    Uma semana abençoada para você também!
    Beijinhos com carinho e luz

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  9. É tão delicada a sua escrita, Fernanda. Sempre. Em qualquer que seja o tema, o seu cuidado com as palavras é comovente. Talvez pudesse dizer que você se parece com Flaubert, sempre em busca da palavra exata. Mas é não só isso, você escreve com um prazer, com uma dedicação e uma suavidade comoventes. É uma das razões que você "permanece" como na situação descrita. Você é puro amor, por isso tem o reconhecimento de seus amigos (troquei a palavra leitores por amigos, acatei sua sugestão, risos). Gostei da imagem lida em um dos comentários. Você e sua escrita são pérolas entrelaçadas... que nos fazem bem.
    beijinhos, Nanda!

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    1. Querido Eros,
      suas palavras são um presente que me toca fundo.
      Flaubert? Ah… essa comparação me faz sorrir e enrubescer ao mesmo tempo. Se busco a palavra exata, é porque escrevo com o coração inteiro e, talvez por isso, a escrita me exige tanto e me devolve ainda mais. É uma alegria imensa saber que, de algum modo, essas palavras que escolho com tanto zelo chegam até você com delicadeza. Gosto da ideia de “permanecer” e gosto ainda mais quando essa permanência se dá entre amigos, como você tão bem pontuou. Obrigada por me ler com alma e carinho.
      Obrigada por enxergar o que às vezes nem eu percebo. Sim… que sejamos mesmo essas “pérolas entrelaçadas” no mar da amizade e da sensibilidade.
      Beijinhos com gratidão e afeto sempre.
      Com carinho,
      Nanda!

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depois que a letra nasce
não há silêncio
há um choro que só eu ouço
e um medo que ninguém vê
o medo de mostrar demais
de sangrar diante de estranhos
de ser lida com desdém
ou pior: com pressa
porque parir palavras
é também deixar o peito aberto
num mundo que não sabe lidar
com quem sente fundo
a escrita respira fora de mim
e eu, nua, assisto
alguns dizem que é lindo
outros nem leem até o fim
há quem tente vestir meu poema
com a própria assinatura
como se dor fosse transferível
como se parto tivesse atalho
e é aí que mais dói
quando roubam o nome da minha filha
e fingem que nasceu de outra boca
quando arrancam o umbigo do texto
e dizem: “isso é meu”
não é
eu sei cada madrugada que ela levou
cada perda que empurrou esse verso
cada lágrima que virou frase
não quero aplauso
mas exijo respeito
porque minha escrita
anda no mundo com meu rosto
meus olhos, minha história
e quando alguém a toma como se fosse nada
está me dizendo:
“você também é nada”
mas eu sou tudo
o que ninguém teve coragem de escrever
e continuo parindo
mesmo ferida
porque escrever é a única forma
que conheço de sobreviver
(Fernanda)