Hoje, sem grandes motivos, fiquei pensativa.
Há dias em que o tempo parece diminuir o passo só pra nos mostrar alguma coisa.
Como se ele dissesse: “Olha bem. Tá vendo?”
E eu vi.
O dia seguia comum, até que atendi um menino encantador daqueles que chegam de peito aberto, puxam conversa, dão risada fácil e seguram sua mão como se já te conhecessem de outros carnavais. Criança tem isso. Não mede, não espera, não julga. Só sente.
A gente se deu bem de cara. Ele ria, eu ria, ele me chamava de “tia” e contava suas histórias com uma leveza que lavava o coração.
Minutos depois, o pai saiu da sala, e a mãe entrou.
E o tempo, esse velho conhecido, resolveu parar.
Eu reconheci na hora a moça.
Era ela.
Carioca como eu. Mas de outro tempo.
De um tempo de escolas e olhares tortos.
De um tempo em que andar com um chinelo de cada cor era motivo de riso 🤭 e, antes disso, eu ia descalça mesmo. Porque nas ruas por onde eu cresci, não havia luxo. Havia chão batido, riso solto, e dignidade aprendida no braço.
Ela era uma das meninas que implicava comigo. Que olhava de cima. Que dizia, com palavras pequenas, o quanto eu parecia fora de lugar. "Esse lugar não é pra você".
Muitas vezes saia calada da sala e ia chorar lá fora...
Mas agora, anos depois, ela estava ali. Parada. Me olhando como quem tenta puxar uma lembrança escondida num canto da mente.
Parece que te conheço de algum lugar…
E então veio o inesperado.
Ela sorriu. Foi gentil. Elogiou meu jeito com o filho. Disse que achava bonito como ele se apegou a mim em tão pouco tempo. Que gostou do cuidado. Que se sentia segura. Que eu era calma, bonita.
Queria você como pediatra do meu filho. Qual é o seu nome?
Quando eu disse, vi o rubor subir devagar em seu rosto.
Ela lembrou. Ficou sem graça. Baixou os olhos.
Mas muito sem jeito, pediu desculpas.
E, sinceramente, não precisava.
Porque naquele instante, quem estava em paz era eu.
Não por vaidade. Não por revanche.
Mas porque eu não carregava mais o peso daquele passado.
Porque segui. Porque cresci. Porque não precisei vencer ninguém só precisei me amar o bastante pra não parar.
Porque o amor no meu coração foi maior.
Maior do que a vergonha de antes.
Maior do que o orgulho que poderia ter agora.
Maior do que qualquer dor guardada.
O tempo colocou tudo no lugar.
Com delicadeza, sem barulho.
Ali estávamos: duas mulheres refeitas pelo tempo.
Uma reencontrando.
A outra perdoando.
E uma criança no meio de tudo isso, segurando minha mão com a pureza de quem ainda não sabe que o mundo pode machucar mas talvez tenha nascido para curar.
Lindo isso,Nanda! Impressionante como , ainda que nada façamos para nos defender de quem nos tratou mal, o tempo, o SR. TEMPO, dá um jeitinho de recolocar as verdades e mostrar o real valor! Muito bom! beijos, chica
ResponderExcluirQuerida amiga Fernanda, bom final de domingo!
ResponderExcluirVocê não imagina o que me fez lembrar seu post...
"Esse lugar não é pra você".
Ouvi a mesma frase quando preferi morar na Barra da Tijuca no RJ...
Por que quis morar lá?
Ia trabalhar numa escola do próprio condomínio.
Morei 2 anos no Pontões da Barra e 2 no Barra Sul.
Por que uma colega de profissão me desdenhou?
Simplesmente me disse que lá moravam médicos, engenheiros e tal. Que não era para o 'bico' de professora (literalmene)...
Assim como você disse, não por vingança
ou similares, mas eu morei sim e foi de muito proveito, até comprar um imóvel noutro lugar.
Quando nos desprezam, a vida nos sustenta.
"Bem-aventurados os humilhados porque serão exaltados."
Eu chego a conclusão de que tendo a consciência reta, somos guiados por Deus e ponto final.
Podem debochar à vontade...
Esperemos confiantes no Altíssimo sem revidar a ninguém. Deus é Fiel .
Tenha uma nova semana abençoada!
Beijinhos fraternos de paz e bem
Fernanda, minha querida!!!
ResponderExcluir"Mas Báh", como dizemos aqui quando alguma coisa é por demais linda ou fora de série! Pois é, amiga, não consegui segurar... Essa sua crônica toca o coração como há muito eu não sentia coisa parecida! Você, amiga, tem o dom da escrita linda, que emociona, que nos leva a refletir bastante, nos tantos relacionamentos abomináveis que vemos nesse nosso caminhar, as vezes um longo e triste caminhar. Fiquei pensando, sabe? Não que eu não soubesse que o mundo está cheio disso, mas porque li, escrito por você e sofrido por você, uma pessoa que conheci há pouco, mas com um coração maravilhoso.
Acho que eu não teria a sua classe, querida! Sua intenção não foi de humilhar, mas imagino a "beldade" como deve ter ficado. Quanta estupidez existe nesse mundo, e não se sabe como brota. Esse seu texto vai levar tempo para surgir um semelhante, escrito dessa maneira, e que toque lá no fundinho dos nossos corações! Mas a vergonha e o remorso ficou com ela, isso já alivia meu coração...
Te aplaudo sempre! O dia que isso não acontecer, é porque devo estar doente! rsss
Beijinhos, querida, uma boa semana!
Mas veja que encontro inusitado!! Uma cena de um bom filme!
ResponderExcluirTua história de vida é incrível e você parece ser uma profissional como poucas.
Boa semana!
É um gosto muito grande ler o que escreve. Não há nada mais imprevisível que o passado, minha Amiga. Tudo o que aconteceu no passado contagia o presente. É assim nesta bonita história que nos conta, tão cheia de fraternidade.
ResponderExcluirUma boa semana.
Um beijo.
Há erros que se pagam muito mais tarde sem que ninguém faça nada.
ResponderExcluirA sua história é belíssima e demonstra como uma criança pode ver tudo diferente do que os adultos veem.
Boa semana querida amiga Fernanda.
Um abraço.
Lindíssima crônica. Esse sentimento de não revanche e sim de não carregar o peso do passado é difícil conquistar.
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