Estava indo para minha cadeira no voo, tentando equilibrar bolsa, casaco, celular e um restinho de paciência haha porque aeroporto sempre testa a calma da gente. André, desta vez, ficaria perto das crianças. E eu, perto das bisas. Achei justo. As crianças exigem colo, mas as bisas também. Só muda o jeito: uma pede no olhar, a outra no silêncio.
Fui me acomodando na poltrona, ajeitando as coisas no bolsinho da frente, quando ouvi a senhora que sentaria ao nosso lado puxar conversa com uma das bisas. A moça devia ter uns setenta e poucos, daquelas que ainda usam batom vermelho e brincos grandes, como se desafiassem o tempo com elegância.
Me diga uma coisa ela começou, inclinando o corpo pra frente, por que esses homens mais velhos ficam babando por mulheres novas? Parecem uns bobos.
A pergunta pairou no ar, provocando um leve riso coletivo. A bisa, sem pestanejar, respondeu com aquela segurança de quem já entendeu o jogo da vida:
É medo da idade, minha filha. Eles acham que uma novinha pode devolver a juventude que perderam.
Foi um riso geral. Até o comissário que passava olhou pra trás, curioso. A verdade tem esse poder: quando dita com leveza, ela diverte, não fere.
A bisa Celma, mais observadora, olhou pra mim por cima dos óculos e perguntou:
E você, filha, o que acha disso tudo?
Eu? respondi. Pensei um instante. Já aprendi que certas perguntas pedem mais escuta do que resposta. Sorri e disse:
Bisa, eu prefiro não opinar, tá bom?
Ela deu um risinho sapeca.
Ah, então pensa o mesmo que eu concluiu, triunfante.
E eu corei.Era uma saia justa aquele momento.
O voo decolou. Lá de cima, as nuvens pareciam algodão, e as bisas dormiam com a tranquilidade de quem já viajou muito pela vida. André, lá no fundo, devia estar tentando distrair as crianças, enquanto eu observava as duas senhoras ao meu lado a espontânea e a sábia.
Pensei no quanto o tempo muda as prioridades. Quando somos novos, queremos o novo. Depois, aprendemos o valor do constante, do que permanece mesmo quando o corpo já não acompanha o passo. As bisas, ali, eram a prova viva disso: leves, engraçadas, conscientes da própria história.
O piloto anunciou que em breve iniciaríamos o pouso. Olhei pela janelinha o sol já sumia no horizonte, tingindo o céu de um laranja que só se vê em retornos. Respirei fundo. Estava indo pra casa, depois de dias de pausa. E percebi: a viagem havia me dado o presente de ver a vida por outros ângulos inclusive o das bisas.
Elas não têm pressa, mas têm sabedoria. Não reclamam do tempo, conversam com ele.
E, naquele voo, entre risadas e confissões, aprendi que talvez o segredo não seja temer a idade mas conversar com ela, de batom vermelho e alma livre, como quem aceita que a vida passa, mas o humor salva.
Fernanda
Sempre temos chances de aprender, turar conclusões, seja onde for. Até no voo isso se mostrou pra ti! Lindo olhar sobre as bisas e levar a vida com ou sem batom, mas com o melhor enfeite de todos: o sorriso nos lábios!
ResponderExcluirBoa volta à rotina da cidade!
beijos praianos, chica
ótimo texto, realmente é por aí...saber ter alma livre...
ResponderExcluirVejam só, uma discussão antropológica em pleno avião e assunto levantado por uma elegante senhora! Ela não está de toda errada, mas também não está de toda certa. Homens mais velhos serem atraídos por mulheres mais jovens tem sim um quê de afirmação , mas também tem um forte componente biológico, que como você, prefiro não entrar na questão...rss
ResponderExcluir