A casa perfeita existe, e você já mora nela.
Não falo dos azulejos da cozinha que combinam com o pano de prato, nem do sofá que um dia sonhou trocar. Não é sobre o filtro dos sonhos pendurado na porta do quarto, nem sobre a gaveta que insiste em não fechar. É sobre você a estrutura que sustenta tudo isso.
A casa perfeita é o corpo que carrega sua história.
É o teto das suas ideias, o chão onde seus sentimentos tocam antes de virarem entendimento. É o corredor estreito entre o que você queria ser e o que, aos poucos, entende que já é. Essa casa tem janelas antigas, que rangem quando o vento passa, lembrando que se abrir dói, mas ventila.
Tem paredes marcadas pelas vezes em que você encostou as costas pedindo descanso.
Tem um encanamento emocional que às vezes entope e aí a tristeza sobe, transborda, molha o piso das certezas. Mas depois você aprende, conserta, chama ajuda, areja. Tem um telhado que vaza em dias de tempestade, e mesmo assim, é ali que você se abriga enquanto aprende a costurar telhas novas de coragem.
Essa casa perfeita tem uma sala cheia de risos que você ainda não deu.
Tem um quintal onde brotam planos, mesmo quando você jura que não planta mais nada. Tem um sótão onde guardou muita coisa que não quer mais revisitar e tudo bem, porque um dia desses, com calma, você sobe com uma lanterna e decide o que ainda te serve.
A casa perfeita tem rachaduras, e são nelas que a luz entra.
Foi Clarice? Foi Cohen? Ou foi você mesma quem entendeu isso primeiro, num dia comum, lavando roupas e lavando culpas? Não importa. O que importa é o milagre simples de saber-se habitável, ainda que imperfeita.
Você já mora na casa perfeita.
E talvez o passo mais bonito seja parar de reformá-la para os outros, e começar a decorá-la para si. Comprar flores sem motivo. Colocar cortinas de leveza. Pendurar quadros de memórias que não doem mais. Abrir espaços para visitas que chegam em forma de carinho, e trancar o portão para quem só quer bagunça.
No fim das contas, perfeição é quando você se deita no próprio peito e, pela primeira vez em muito tempo, sente-se em casa.
E respira.
Porque a casa perfeita existe, e você já mora nela.
É só voltar para dentro.
Fernanda
O lar que buscamos é desde sempre, o retorno para nós.
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depois que a letra nasce
não há silêncio
há um choro que só eu ouço
e um medo que ninguém vê
o medo de mostrar demais
de sangrar diante de estranhos
de ser lida com desdém
ou pior: com pressa
porque parir palavras
é também deixar o peito aberto
num mundo que não sabe lidar
com quem sente fundo
a escrita respira fora de mim
e eu, nua, assisto
alguns dizem que é lindo
outros nem leem até o fim
há quem tente vestir meu poema
com a própria assinatura
como se dor fosse transferível
como se parto tivesse atalho
e é aí que mais dói
quando roubam o nome da minha filha
e fingem que nasceu de outra boca
quando arrancam o umbigo do texto
e dizem: “isso é meu”
não é
eu sei cada madrugada que ela levou
cada perda que empurrou esse verso
cada lágrima que virou frase
não quero aplauso
mas exijo respeito
porque minha escrita
anda no mundo com meu rosto
meus olhos, minha história
e quando alguém a toma como se fosse nada
está me dizendo:
“você também é nada”
mas eu sou tudo
o que ninguém teve coragem de escrever
e continuo parindo
mesmo ferida
porque escrever é a única forma
que conheço de sobreviver
(Fernanda)