Hoje saí do plantão com aquela leveza cansada que só os médicos conhecem.
Cansada, sim mas viva.
E com uma vontade danada de café.
Fui direto para a padaria, aquela da esquina onde o cheiro do pão invade a calçada e o dono, seu Luciano, conhece o nome de cada freguês como se batizasse pães. Sentei na mesinha de sempre, pedi um pingado aliás, tenho uma paixão sem explicação por pingado, coloquei o fone de ouvido e comecei a fazer o que gosto: responder comentários, visitar os amigos nos blogs, passear por palavras como quem se estica num jardim virtual.
Foi aí que ouvi:
Olá, princesa, posso sentar com você?
Tirei o fone devagar, com aquela delicadeza de quem não quer causar confusão, e olhei em volta. A padaria estava praticamente vazia.
Vazia. V-A-Z-I-A. Uma dezena de cadeiras livres, todas dignas, todas disponíveis, e o moço…
cismou de querer sentar justamente na “cadeira de André”.
Aquela, sabe? Aquela que ele ocupa sempre que chega com o cabelo bagunçado,
a cara de sono e o beijo mais doce do dia.
A cadeira que, por algum motivo inexplicável, tem cheiro de nós dois.
Respirei fundo, tentando manter a elegância
(e o humor), e respondi:
Estou esperando meu esposo.
O moço, com a leveza de um tijolo, disparou:
Ah, eu não tenho ciúmes.
Senti o desconforto escorrendo pela espinha. Me ajeitei na cadeira, abracei a xícara como quem se agarra a uma âncora, e antes que eu precisasse responder qualquer outra coisa, seu Luciano santo padroeiro dos limites se aproximou com aquele olhar sério de quem viu a cena toda de longe:
Meu senhor, por favor, respeite a moça.
Aqui tem lugar de sobra.
O homem saiu resmungando, e eu fiquei ali, muito desconcertada, com o coração batendo fora do ritmo e a respiração atravessada. Assustada, sim. Mas firme.
Porque a gente cansa, sabe? Cansa de ter que explicar que não é não. Que silêncio também é resposta. Que há cadeiras que têm dono e dono não é posse, é presença. É quem chega com respeito, com afeto, com cuidado.
Minutos depois, André chegou. Sentou na cadeira dele, segurou minha mão por cima da mesa, e perguntou: Tá tudo bem? E aí, sim, ficou.
Porque às vezes, o que nos salva, é ter alguém que simplesmente… sente do lado certo.
André chegou com aquele andar desatento de quem já me conhece os silêncios. Nem precisei explicar muito. Ele olhou nos meus olhos, apertou de leve minha mão e entendeu.
Sentou na cadeira "dele" como se recolocasse o mundo no eixo. Aquela cadeira…
é engraçado como um móvel tão comum pode virar território afetivo.
A presença dele, ali, foi mais eficiente que qualquer palavra: ele é o lugar onde o desconforto perde a força.
Ficamos um tempo quietos, como quem espera o coração desinflar.
Depois ele disse, meio brincando, meio sério:
Já estou achando que vou ter que colar um adesivo: “Reservado para André”.
Eu ri. Alívio risonho.
Vai ter que pôr grade, senha e talvez uma placa dizendo “Cuidado: essa mulher tem amor e um café quente. Não se aproxime sem boas intenções.”
Seu Luciano, do balcão, nos observava com aquele olhar paternal de quem já viu de tudo e sabe quando algo passa do limite. Veio até a nossa mesa, com o pano de prato pendurado no ombro e a autoridade de um rei de balcão: Me desculpa, viu, minha filha? Esse tipo de coisa me incomoda demais. A gente não abre porta pra falta de respeito. Aqui, mulher tem vez e tem voz.
Quase abracei o homem. Disse que tudo bem, que eu só tinha ficado nervosa.
André agradeceu, e seu Luciano, com a sabedoria de quem lida com forno quente e cliente mal-humorado, emendou:
A gente precisa fazer do mundo uma padaria decente: com pão na mesa, café passado na hora, e respeito em todas as cadeiras.
Brindamos com pingado.
E naquele momento, a vida pareceu certa.
Tem dia que o amor chega com flores. Tem dia que chega com café, palavra firme e um homem que senta do lado certo.
Seu Luciano, ainda de pé ao nosso lado, não se conteve.
Fez aquela cara de quem está indignado com o mundo, mas encantado com a nossa cena de casal recomposto, e disparou:
Mulher bonita, elegante, doce e educada… devia andar com um segurança, viu?
André deu um sorriso sem alegria. Eu rolei os olhos, como quem já está acostumada com o exagero afetivo do padeiro mais teatral do bairro. Mas confesso: fiquei sem graça. Ainda corada do susto anterior e agora corando de outro tipo de susto aquele que vem quando elogiam a gente sem esperar.
Mas seu Luciano não parou por aí. Porque, vou te dizer, Seu André… a sua senhora é uma flor no meio dessa padaria. Eu fico bobo. Aí era covardia com os outros clientes.
Mas menina, você deveria ter chutado a canela dele viu?
Uma pesada desse tênis ele não vinha buscar outra.
Disse para André, só faltou ele dizer: com esse pezão .
Aí pronto.
André gargalhou alto, quase derrubando o pão de queijo da xícara.
Eu? Quase caí da cadeira.
Fiquei ali rindo, entre envergonhada e feliz.
Porque a verdade é que eu gosto dessas cenas meio pastelão, meio novela das seis.
Gosto quando a vida escapa do roteiro e vira história de contar depois, com café e exagero bom depois do susto. E mesmo com o incômodo da abordagem de mais cedo, saí de lá mais leve.
Porque o respeito se impôs, o afeto veio na forma de piada, e o amor… ah, o amor me olhava com os olhos de André, como quem diz: “Você tá segura aqui”.
No fim das contas, depois do susto.
A padaria virou palco e refúgio.
E a cadeira de André, trono de uma rainha discreta com pezão ou sem.
Risos...
Boa noite de paz, querida amiga Fernanda!
ResponderExcluirFico impressionada como não podem nos ver sozinhas que lá vem 'cantada barata'.
O mundo anda complicado demais, melhor mesmo é fazer o que faço, sim porque não tem isso de idade e beleza não.
'Deu sopa' e eles vêm no ataque da safadeza.
Eu faço uma cara mais feia do que possa ser, não dou moleza para conversa fiada.
"Porque às vezes, o que nos salva, é ter alguém que simplesmente… sente do lado certo."
Feliz é quem tem Alguém!
Quem não tem precisa evitar certas situações, pois não é só pelo inconveniente da abordagem que nos deixa molestada, mas pelos abusos vários que podem se agravar muito.
Eles revertem a situação se não tivermos respaldo.
Digo que não tem idade pois se me arrumo me chamam de moça, se não, de senhora, kkk...
Quando me arrumo, estou com amigas em grupo.
Não tem mais essa de mulher que se dá o respeito não é molestada, eles tentam.
Prefiro não me desgastar com bobeiras.
Seu esposo tem mais é que cercear você de carinho e amor, como fez, só assim não terá vez nenhum sem noção.
Quando nosso coração tem amor por alguém, não olhamos para os lados.
O coração marcado pelo Amor é incapaz de ciscar. Ele tem uma cadeira cativa para o nosso 'André'.
Ainda bem que amanhã vou comer alfajor... deu água na boca.
Pão de queijo comi hoje numa reunião com amigos.
Tenha um final de semana abençoado!
Beijinhos fraternos
Querida Roselia,
Excluirvocê trouxe uma verdade importante e triste: ainda precisamos nos defender de olhares e atitudes que nos desrespeitam, como se o simples fato de estarmos sozinhas fosse convite para abordagens abusivas.
É exaustivo, sim. Mas é também um chamado à lucidez: saber onde estamos, com quem estamos, e manter o coração firme naquilo que nos faz bem.
O amor de verdade aquele que respeita, cuida e escolhe não precisa desviar o olhar. Ele permanece.
Um abraço fraterno e meu carinho sempre.
🙏🏻😘
Infelizmente, em todos os cantos há sempre um "tarado de plantão"!
ResponderExcluirEssas coisas nos chateiam muito ,mas acontecem! Ainda bem tiveste o anjo Luciano que o colocou no seu lugar , com o rabo no meio das pernas e deve ter se mandado,rs.... Linda crônica e o André tem não só a cadeira, mas teu coração! beijos, ótimo fds! chica
Chica, querida,
Excluiré isso mesmo… infelizmente, ainda há esses “de plantão”, prontos pra invadir o espaço alheio sem o menor respeito. Mas graças a Deus, sempre tem um anjo por perto e dessa vez veio com nome e presença firme: Luciano!
E sim… o André já sabe: o coração é dele, sem rodízio nem fila de espera. ♥️
Obrigada pelo carinho de sempre! Um beijo e ótimo fim de semana pra você também!
🙏🏻😘
Ola Fernanda, querida amiga,
ResponderExcluirO descaramento e a insolência, acontece com frequência no nosso quotidiano. É algo que nos incomoda e sem dúvida que o silêncio é a melhor resposta. Que bom é ter por perto alguém experiente como seu Luciano, que oportunamente vem em nosso auxílio colocando um ponto final no atrevimento do cara. Mas melhor ainda é ter alguém que olha os nossos olhos, e não precisa falar. Basta a ternura do seu olhar para fazer regressar a tranquilidade. E aquele apertar de mão tão cúmplice e promissor compensa todo o incómodo e devolve toda a serena emoção que precisamos. Sempre!
Um beijo para ti Fernanda e bom fim de semana,
Querido Albino,
ExcluirTeu comentário é como um abraço desses que a gente guarda na memória: gentil, acolhedor e preciso.
É verdade… o mundo anda mesmo meio destemido na arte de ser descortês. Mas como faz diferença quando temos por perto essas almas que, em silêncio ou num gesto firme, sabem nos proteger da aspereza dos dias. Seu Luciano é um desses, sim mas há também aqueles que, como você bem disse, olham nos nossos olhos e nos devolvem ao centro de nós mesmos, com ternura e firmeza. Obrigada por tua presença sensível, que reconhece nas entrelinhas o que vale a pena guardar.
Um beijo com carinho e que teu fim de semana seja de paz e boas surpresas.
🙏🏻😘
Olá, Fernanda.
ResponderExcluirCom a belíssima literalidade que lhe caracteriza, você relata esse episódio demonstrando, com lucidez e docilidade, a sua postura de decência e educação no trato com as pessoas, mesmo em momentos desagradáveis, e isso a diviniza.
Por todos os seus predicados e arte literalidade, você merece ser feliz com o eleito do seu coração, hoje e sempre.
Meus efusivos parabéns e um abraço com carinho e admiração.
Querido Rosalino,
ExcluirTuas palavras é como escutar uma melodia doce depois de um dia longo acolhe, eleva e embala a alma. Fico tocada com o seu olhar generoso sobre mim e sobre o que escrevo… Às vezes, a gente só tenta narrar o que vive, com o coração ainda batendo no ritmo da cena. E quando isso encontra elo em alguém sensível como você, tudo ganha mais sentido.
Obrigada pelo carinho tão elegante e afetuoso. Que o amor esse que a gente deseja e cultiva também caminhe ao seu lado, sereno e fiel. Receba meu abraço repleto de gratidão e estima.
😘🙏🏻
Olha... Como presidente da "AUA" Associação da União Andreística, eu tenho o dever de defender o nobre associado, seu marido, e dizer que ele só não interveio nessa situação com esse folgado metido a garanhão, por duas razões:
ResponderExcluir1- Ele não estava presente.
2 - Ele confiou no tamanho do seu pé, na orelha desse indivíduo.
Pois quem se dirige a qualquer mulher, sendo ela, bonita ou não, começando o assunto com: "Oi princesa!"
Já merece uma pesada na orelha!
E tenho dito!
O Luciano mandou bem!!
Manda um abraço pra ele.
André, presidente da digníssima AUA,
ExcluirRecebo sua nota oficial com a devida seriedade e uma gargalhada 🤣 respeitosa porque, francamente, só você pra transformar um episódio de “folgado metido a garanhão” em um ato público de defesa da honra!
Haha
Seu associado agradece o respaldo institucional. Mas como bem lembrou: ele confiou no tamanho do meu pé ( e na minha elegância, claro). Sobre o “Oi, princesa”… só não foi mais constrangedor porque eu tenho prática em sorrisos diplomáticos.
Sr. Luciano ficará todo orgulhoso com seu apoio. Mando sim o abraço.
Fernanda, sócia honorária da AUA 😊
😘🙏🏻
Eu vou comentar a cena por outro ângulo. O "moço" era bem humorado, o "não sou ciumento" é um clássico da abordagem de paqueras de tempos passados.
ResponderExcluirO que me deixa admirado é como uma simples abordagem de gracejo de um homem para uma mulher hoje se torna um cena de tensão, medo, assédio, quase um "pré-estupro".
Espero que entenda o que digo, Fernanda. Não estou sancionando atitudes visivelmente inconvenientes. Mas é um sinal destes nossos tempos que um simples "olá, princesa, posso sentar com você" se torne cena de filme de terror.
Bom, eu sou velho. 60. Sou do tempo de juventude em que homens paqueravam as meninas e elas esperavam ser paqueradas. Uma mulher não ser elogiada por ninguém desconhecido era quase um atestado de incompetência feminina.
Sei que os tempos mudam, as relações mudam.
Mas vejo que a relação homem-mulher hoje se tornou bem complexa.
Mulheres expõe seus belos corpos em redes sociais abertas, visivelmente buscando likes, aprovação e dinheiro, mas é só uma homem escrever "gostosa", pronto. O cara é um machista, assediador e não sei mais o quê.
Ainda bem que não paquero mais ninguém a não se minha esposa há bastante tempo, eu não saberia lidar com essas tensões de hoje em dia.
Fernanda, não me entenda mal, por favor. Não estou negando nem diminuindo o seu desconforto com a "paquera" (hoje, assédio) do Moço.
Só estou complexificando a questão, pois eu gosto de coisas complexas...rs
E lembro de uma amiga de rede social e que já tinha me encontrado com ela em reuniões de amigos virtuais, que dizia ficar indignada quando lhe chamavam de "princesa". E eu embasbacado, pensando, porque uma mulher se sentiria ofendida ao ser chamada de princesa...e a partir daquele dia, claro, sempre quando falava com ela começava com "olá, princesa, tudo bem..." ela ria pois sabia ser zoação minha.
Eduardo, querido,
ResponderExcluirAgradeço demais o seu comentário não apenas pela sinceridade, mas pela disposição de pensar junto, mesmo que por outros ângulos. E sim, eu entendi perfeitamente o que você quis dizer. É exatamente desse tipo de conversa franca, complexa e respeitosa que eu gosto.
Você trouxe uma questão importante: os tempos mudaram. E, com eles, o nosso olhar sobre o que antes era considerado apenas um gracejo. O que talvez se pensava como elogio, hoje pode ser percebido como invasão, e isso, de fato, torna tudo mais sensível, e também mais difícil de navegar.
Mas veja… não é o elogio em si o problema, nem mesmo o humor, que, quando genuíno, pode ser bem-vindo. O que desconcerta é o desrespeito à escuta aquela incapacidade de perceber quando a abordagem não foi bem-vinda, ou quando já passou da linha do bom senso. Seu comentário me fez sorrir especialmente a história da amiga “princesa” e a sua forma bem humorada de lidar com a mudança. Eu também acho graça dessas ironias do cotidiano. Mas, no caso que contei, o riso não veio de pronto, porque houve ali um certo abuso da cena e uma tentativa de diminuir, não de se aproximar. E aí reside a diferença, sutil, mas definitiva. Fico feliz com seu comentário, porque gosto quando a gente sai do simples “certo e errado” e se permite conversar com mais camadas. Receba meu abraço, cheio de respeito,
🙏🏻😘