Aguarde os próximos capítulos...

Eu amo escrever. Escrevo porque às vezes não cabe tudo aqui dentro. Porque há sentimentos que só se organizam quando viram palavras, e pensamentos que só fazem sentido quando dançam na página. Amo também olhar o céu e talvez isso diga tudo. Há quem olhe o céu para prever o tempo, eu olho para prever a mim mesma. Há algo em observar as nuvens, as estrelas ou o silêncio azul que me faz lembrar que existe poesia mesmo nos dias comuns. Este blog nasce desse encontro: entre a escrita e o céu. Vai ser um espaço para dividir pensamentos, contar histórias, guardar pedaços de mim e talvez, de você também, que me lê agora. Obrigada por estar aqui. Que você se sinta à vontade. Que cada texto seja como uma janela aberta, onde o vento entra leve e, quem sabe, traz um pouco de luz também

Amor sempre....

Amor sempre....
Caminho entre flores. O chão continuará pra nós com outras paisagens. Sou o que sou, porque é tudo que sei ser. E todo meu olhar escrito que você nunca aprendeu a ler, permanecerá no descaso para quem não compreende.

25 julho, 2025

A cadeira de André

Aleatoriamente um toque de poesia
Crônica: 

 



Hoje saí do plantão com aquela leveza cansada que só os médicos conhecem. 
Cansada, sim mas viva.
E com uma vontade danada de café.

Fui direto para a padaria, aquela da esquina onde o cheiro do pão invade a calçada e o dono, seu Luciano, conhece o nome de cada freguês como se batizasse pães. Sentei na mesinha de sempre, pedi um pingado aliás, tenho uma paixão sem explicação por pingado, coloquei o fone de ouvido e comecei a fazer o que gosto: responder comentários, visitar os amigos nos blogs, passear por palavras como quem se estica num jardim virtual.

Foi aí que ouvi:
Olá, princesa, posso sentar com você?

Tirei o fone devagar, com aquela delicadeza de quem não quer causar confusão, e olhei em volta. A padaria estava praticamente vazia. 
Vazia. V-A-Z-I-A. Uma dezena de cadeiras livres, todas dignas, todas disponíveis, e o moço… 
cismou de querer sentar justamente na “cadeira de André”.

Aquela, sabe? Aquela que ele ocupa sempre que chega com o cabelo bagunçado,
a cara de sono e o beijo mais doce do dia. 
A cadeira que, por algum motivo inexplicável, tem cheiro de nós dois.

Respirei fundo, tentando manter a elegância
 (e o humor), e respondi:
Estou esperando meu esposo.

O moço, com a leveza de um tijolo, disparou:
Ah, eu não tenho ciúmes.

Senti o desconforto escorrendo pela espinha. Me ajeitei na cadeira, abracei a xícara como quem se agarra a uma âncora, e antes que eu precisasse responder qualquer outra coisa, seu Luciano santo padroeiro dos limites se aproximou com aquele olhar sério de quem viu a cena toda de longe:

Meu senhor, por favor, respeite a moça. 
Aqui tem lugar de sobra.

O homem saiu resmungando, e eu fiquei ali, muito desconcertada, com o coração batendo fora do ritmo e a respiração atravessada. Assustada, sim. Mas firme.

Porque a gente cansa, sabe? Cansa de ter que explicar que não é não. Que silêncio também é resposta. Que há cadeiras que têm dono e dono não é posse, é presença. É quem chega com respeito, com afeto, com cuidado.

Minutos depois, André chegou. Sentou na cadeira dele, segurou minha mão por cima da mesa, e perguntou: Tá tudo bem? E aí, sim, ficou.
Porque às vezes, o que nos salva, é ter alguém que simplesmente… sente do lado certo.

André chegou com aquele andar desatento de quem já me conhece os silêncios. Nem precisei explicar muito. Ele olhou nos meus olhos, apertou de leve minha mão e entendeu.

Sentou na cadeira "dele" como se recolocasse o mundo no eixo. Aquela cadeira… 
é engraçado como um móvel tão comum pode virar território afetivo. 
A presença dele, ali, foi mais eficiente que qualquer palavra: ele é o lugar onde o desconforto perde a força.

Ficamos um tempo quietos, como quem espera o coração desinflar.
Depois ele disse, meio brincando, meio sério:
Já estou achando que vou ter que colar um adesivo: “Reservado para André”.
Eu ri. Alívio risonho.
Vai ter que pôr grade, senha e talvez uma placa dizendo “Cuidado: essa mulher tem amor e um café quente. Não se aproxime sem boas intenções.”

Seu Luciano, do balcão, nos observava com aquele olhar paternal de quem já viu de tudo e sabe quando algo passa do limite. Veio até a nossa mesa, com o pano de prato pendurado no ombro e a autoridade de um rei de balcão: Me desculpa, viu, minha filha? Esse tipo de coisa me incomoda demais. A gente não abre porta pra falta de respeito. Aqui, mulher tem vez e tem voz.

Quase abracei o homem. Disse que tudo bem, que eu só tinha ficado nervosa.
André agradeceu, e seu Luciano, com a sabedoria de quem lida com forno quente e cliente mal-humorado, emendou:
A gente precisa fazer do mundo uma padaria decente: com pão na mesa, café passado na hora, e respeito em todas as cadeiras.

Brindamos com pingado.
E naquele momento, a vida pareceu certa.

Tem dia que o amor chega com flores. Tem dia que chega com café, palavra firme e um homem que senta do lado certo.

Seu Luciano, ainda de pé ao nosso lado, não se conteve.
Fez aquela cara de quem está indignado com o mundo, mas encantado com a nossa cena de casal recomposto, e disparou:

Mulher bonita, elegante, doce e educada… devia andar com um segurança, viu?

André deu um sorriso sem alegria. Eu rolei os olhos, como quem já está acostumada com o exagero afetivo do padeiro mais teatral do bairro. Mas confesso: fiquei sem graça. Ainda corada do susto anterior e agora corando de outro tipo de susto aquele que vem quando elogiam a gente sem esperar.

Mas seu Luciano não parou por aí. Porque, vou te dizer, Seu André… a sua senhora é uma flor no meio  dessa padaria. Eu fico bobo.  Aí era covardia com os outros clientes.
Mas menina, você deveria ter chutado a canela dele viu?
Uma pesada desse tênis ele não vinha buscar outra.

Disse para  André,  só faltou ele dizer: com esse pezão .

Aí pronto.
André gargalhou alto, quase derrubando o pão de queijo da xícara.
 Eu? Quase caí da cadeira.

Fiquei ali rindo, entre envergonhada e feliz.
Porque a verdade é que eu gosto dessas cenas meio pastelão, meio novela das seis.
 Gosto quando a vida escapa do roteiro e vira história de contar depois, com café e exagero bom depois do susto. E mesmo com o incômodo da abordagem de mais cedo, saí de lá mais leve.
Porque o respeito se impôs, o afeto veio na forma de piada, e o amor… ah, o amor me olhava com os olhos de André, como quem diz: “Você tá segura aqui”.

No fim das contas, depois do susto.
A padaria virou palco e refúgio.
E a cadeira de André, trono de uma rainha discreta com pezão ou sem.
Risos...




Fernanda

5 comentários:

  1. Boa noite de paz, querida amiga Fernanda!
    Fico impressionada como não podem nos ver sozinhas que lá vem 'cantada barata'.
    O mundo anda complicado demais, melhor mesmo é fazer o que faço, sim porque não tem isso de idade e beleza não.
    'Deu sopa' e eles vêm no ataque da safadeza.
    Eu faço uma cara mais feia do que possa ser, não dou moleza para conversa fiada.

    "Porque às vezes, o que nos salva, é ter alguém que simplesmente… sente do lado certo."

    Feliz é quem tem Alguém!
    Quem não tem precisa evitar certas situações, pois não é só pelo inconveniente da abordagem que nos deixa molestada, mas pelos abusos vários que podem se agravar muito.
    Eles revertem a situação se não tivermos respaldo.
    Digo que não tem idade pois se me arrumo me chamam de moça, se não, de senhora, kkk...
    Quando me arrumo, estou com amigas em grupo.
    Não tem mais essa de mulher que se dá o respeito não é molestada, eles tentam.
    Prefiro não me desgastar com bobeiras.
    Seu esposo tem mais é que cercear você de carinho e amor, como fez, só assim não terá vez nenhum sem noção.
    Quando nosso coração tem amor por alguém, não olhamos para os lados.
    O coração marcado pelo Amor é incapaz de ciscar. Ele tem uma cadeira cativa para o nosso 'André'.
    Ainda bem que amanhã vou comer alfajor... deu água na boca.
    Pão de queijo comi hoje numa reunião com amigos.
    Tenha um final de semana abençoado!
    Beijinhos fraternos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Querida Roselia,
      você trouxe uma verdade importante e triste: ainda precisamos nos defender de olhares e atitudes que nos desrespeitam, como se o simples fato de estarmos sozinhas fosse convite para abordagens abusivas.
      É exaustivo, sim. Mas é também um chamado à lucidez: saber onde estamos, com quem estamos, e manter o coração firme naquilo que nos faz bem.
      O amor de verdade aquele que respeita, cuida e escolhe não precisa desviar o olhar. Ele permanece.
      Um abraço fraterno e meu carinho sempre.

      🙏🏻😘

      Excluir
  2. Infelizmente, em todos os cantos há sempre um "tarado de plantão"!
    Essas coisas nos chateiam muito ,mas acontecem! Ainda bem tiveste o anjo Luciano que o colocou no seu lugar , com o rabo no meio das pernas e deve ter se mandado,rs.... Linda crônica e o André tem não só a cadeira, mas teu coração! beijos, ótimo fds! chica

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Chica, querida,
      é isso mesmo… infelizmente, ainda há esses “de plantão”, prontos pra invadir o espaço alheio sem o menor respeito. Mas graças a Deus, sempre tem um anjo por perto e dessa vez veio com nome e presença firme: Luciano!
      E sim… o André já sabe: o coração é dele, sem rodízio nem fila de espera. ♥️
      Obrigada pelo carinho de sempre! Um beijo e ótimo fim de semana pra você também!
      🙏🏻😘

      Excluir
  3. Ola Fernanda, querida amiga,
    O descaramento e a insolência, acontece com frequência no nosso quotidiano. É algo que nos incomoda e sem dúvida que o silêncio é a melhor resposta. Que bom é ter por perto alguém experiente como seu Luciano, que oportunamente vem em nosso auxílio colocando um ponto final no atrevimento do cara. Mas melhor ainda é ter alguém que olha os nossos olhos, e não precisa falar. Basta a ternura do seu olhar para fazer regressar a tranquilidade. E aquele apertar de mão tão cúmplice e promissor compensa todo o incómodo e devolve toda a serena emoção que precisamos. Sempre!

    Um beijo para ti Fernanda e bom fim de semana,

    ResponderExcluir

depois que a letra nasce
não há silêncio
há um choro que só eu ouço
e um medo que ninguém vê
o medo de mostrar demais
de sangrar diante de estranhos
de ser lida com desdém
ou pior: com pressa
porque parir palavras
é também deixar o peito aberto
num mundo que não sabe lidar
com quem sente fundo
a escrita respira fora de mim
e eu, nua, assisto
alguns dizem que é lindo
outros nem leem até o fim
há quem tente vestir meu poema
com a própria assinatura
como se dor fosse transferível
como se parto tivesse atalho
e é aí que mais dói
quando roubam o nome da minha filha
e fingem que nasceu de outra boca
quando arrancam o umbigo do texto
e dizem: “isso é meu”
não é
eu sei cada madrugada que ela levou
cada perda que empurrou esse verso
cada lágrima que virou frase
não quero aplauso
mas exijo respeito
porque minha escrita
anda no mundo com meu rosto
meus olhos, minha história
e quando alguém a toma como se fosse nada
está me dizendo:
“você também é nada”
mas eu sou tudo
o que ninguém teve coragem de escrever
e continuo parindo
mesmo ferida
porque escrever é a única forma
que conheço de sobreviver
(Fernanda)