Aguarde os próximos capítulos...

Eu amo escrever. Escrevo porque às vezes não cabe tudo aqui dentro. Porque há sentimentos que só se organizam quando viram palavras, e pensamentos que só fazem sentido quando dançam na página. Amo também olhar o céu e talvez isso diga tudo. Há quem olhe o céu para prever o tempo, eu olho para prever a mim mesma. Há algo em observar as nuvens, as estrelas ou o silêncio azul que me faz lembrar que existe poesia mesmo nos dias comuns. Este blog nasce desse encontro: entre a escrita e o céu. Vai ser um espaço para dividir pensamentos, contar histórias, guardar pedaços de mim e talvez, de você também, que me lê agora. Obrigada por estar aqui. Que você se sinta à vontade. Que cada texto seja como uma janela aberta, onde o vento entra leve e, quem sabe, traz um pouco de luz também

Amor sempre....

Amor sempre....
Caminho entre flores. O chão continuará pra nós com outras paisagens. Sou o que sou, porque é tudo que sei ser. E todo meu olhar escrito que você nunca aprendeu a ler, permanecerá no descaso para quem não compreende.

01 julho, 2025

Redação da Clarinha

Aleatoriamente um toque de poesia
Dia de emoção

Eu estava atrás do controle remoto. Ele tinha sumido pela terceira vez naquela manhã o que, considerando que moro com oito filhos, muitos avós, dois cachorros, um gato, e plantas. Foi mexendo no fundo do sofá, entre meias perdidas, pedaços de biscoito e o que parecia ser uma colher fossilizada, que achei a folha dobrada. Uma redação de Clarinha. E mesmo sabendo que não devia bisbilhotar as coisas da minha adolescente que, diga-se, agora tem opiniões firmes sobre tudo, eu li. 
Li com o coração apertado, como quem abre uma janela pra dentro da alma de alguém.
Ela chegou e disse "eu dormi, antes de você chegar do plantão para te entregar mãe!"
________________


Tema: “Quem sou eu?”

Meu nome é Clara, mas quase todo mundo me chama de Clarinha.
Tenho 14 anos, gosto de batata frita com sorvete (sim, juntos), mas minha mãe só deixa de vez em quando rsrs, de dormir ouvindo música baixinho, e de rir das bobagens que meus irmãos falam no jantar. Sim, meus irmãos. Somos oito e cinco adotados e três da minha mãe e meu pai Felipe, que hoje é estrelinha.

Uma escadinha de histórias diferentes que acabaram parando na mesma casa e no mesmo coração.

A nossa família é meio “bagunçada”. Tem gente demais, vozes demais, amor demais. Tem dia que falta colher, falta toalha, falta silêncio haha, mas nunca falta abraço.

A gente mora com um monte de avós também. Não dá pra saber ao certo quantos são, porque sempre aparece mais um. Tem a avó Cris, que faz o melhor arroz do mundo. O Vô wilson, que conta a mesma história desde 2009. Os pais  do meu pai Felipe, do meu pai André. E outros que eu nem sei se são de sangue ou só foram ficando. Mas viraram nossos. Como tudo nessa casa: a gente acolhe, a gente pertence.

E no meio disso tudo no centro de tudo tem ela: minha mãe. A Fernanda.

A gente podia chamar ela de heroína, de santa, de guerreira. Mas ela nunca gostou desses nomes.
Ela prefere ser chamada só de mãe.

Mas eu vou dizer: ela é a mais especial de todas.
Porque foi ela que viu cada um de nós não como um fardo, mas como um presente. Ela que nos ensinou que família não é feita no hospital, mas no dia a dia. Que amor de verdade não tem manual, mas tem presença. Que ser mãe é aguentar gritos, febres, bagunças, boletins, abraços apertados e silêncios difíceis tudo no mesmo dia.

Ela é a que senta no meio da confusão e ainda arranja tempo pra perguntar:
Tá tudo bem com você, minha filha?
E é ali, no meio da loucura, que eu sinto mais paz.

Então, quem sou eu?

Sou Clarinha.
Filha adotiva, irmã de muitos, neta de vários.
Sou parte de uma família que não cabe em retrato, mas cabe inteira no coração. E sou filha da Fernanda a mãe mais especial do mundo.

E isso, pra mim, já é tudo.



Maria Clara.

______________________

A redação começava suave, falando de batata frita com sorvete (um hábito que prefiro não incentivar), dos irmãos barulhentos e da vida vivida em casa cheia. Mas bastaram três parágrafos para que eu começasse a chorar. “Ela é a mais especial de todas.” Era sobre mim. 

A Clarinha, minha filha do coração, escrevendo com a leveza de quem não precisa justificar nada. Me chamando de mãe com a força de quem sabe, sabe de verdade que o sangue não tem nada a ver com amor. Li sobre os avós, os irmãos, a nossa casa onde nunca falta bagunças, nem afeto. 

Ela falou da bagunça, dos barulhos, dos cheiros misturados. E mesmo assim, ou talvez por causa disso, escreveu que a nossa casa é casa. E ali, lendo aquilo, entre um sapato de bebê “perdido”e o controle remoto que “nunca achei”,eu entendi tudo de novo.

Entendi que não fui eu que salvei ninguém. Foram eles que me salvaram. Um por um. Clarinha, com sua sensibilidade que finge ser desleixo. Os irmãos, com seus choros, birras, abraços e risadas. Até os avós, que confundem nomes e contam as mesmas histórias, me ensinam algo novo todos os dias.

Ser mãe de oito filhos, cinco adotivos é como fazer um bolo sem receita:
tem dias que dá certo, tem dias que queima, mas no fim, todo mundo come junto e pede mais.

Respondo aqui A redação de Clarinha depois que disse para
 ela: Filha, obrigada. Por ter me escolhido também.
Porque se você acha que eu sou especial, é porque você me fez assim.
Claro já chorando aqui também❤️


Fernanda

8 comentários:

  1. Simplesmente belíssimo. Parabéns pela família amorosa. Parabéns pela compreensão e dedicação aos filhos quando ficam doentes (infelizmente não são todas as mães que fazem isso). Parabéns a ambas pelos textos. Obrigado por compartilhar aqui.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Dell, que comentário generoso e cheio de sensibilidade o seu. É tão bonito quando conseguimos reconhecer o amor e a entrega nos gestos cotidianos, especialmente nos que envolvem o cuidado com os filhos algo tão invisível às vezes, mas absolutamente essencial.
      Sua leitura atenta e afetuosa transforma o que poderia passar despercebido em motivo de celebração. Que bom encontrar ecos assim por aqui. Obrigada por deixar palavras tão bonitas elas também são um tipo de cuidado.

      Obrigada amigo!

      Excluir
  2. Simplesmente lindo e emocionante! Nem imagino fosse diferente o que tua filha escreveria!
    Aliás, esse dom chegou de ti!
    Escreve muito bem e com o coração na ponta dos dedos, como tu! ADOREI!
    beijos às duas e para todos dessa linda família onde há muito de tuuuuuuuuuuuudo, mas amor nunca é economizado! chica

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Chica, que delícia ler teu comentário! Sempre tão cheia de carinho, generosidade e essa alegria que transborda nas palavras como se abraçasse a gente pela escrita. Fico emocionada em saber que você sentiu o texto com o coração, porque foi exatamente assim que ele nasceu: com amor, memória e afeto derramados sem medida. E se há amor que não se economiza por aqui, é porque ele também chega de volta em formas lindas como a tua presença sempre tão gentil.
      Beijos com muito carinho, de nós duas e dessa família barulhenta, imperfeita, mas cheia de sentimento! ❤️

      Nanda!

      Excluir
  3. Boa noite de paz, querida amiga Fernanda!
    Você chora aí e nós choramos de cá.
    Eu tive só três e tenho pena de quem só pode ter um ou não adota nenhum. Não sabe o que é verdadeira alegria, não sabe como é ser vó, nem nada que dê tantas alegrias indescritíveis como as que contou aqui.
    Quando meu segundo netinho nasceu, minha filha me disse que eu era a melhor mãe do mundo, tenho o cartãozinho escrito. Ela só confiava em mim para cuidar do pequeno, Como é bom ser mãe e ser avó também. Com os netos, sentimos mais alegrais ainda, pois é tudo mais levinho, sem certas obrigações, só brincar e passear...
    Minha avó teve doze e nunca esteve sozinha, até os enteados, (era viúva e se casou com um viúvo), a consideravam uma mãe.
    Assim como sua filha adolescente declarou...
    Meu pai, seu genro, a tinha como mãe também e teve uma mãe e tanto (minha outra avó).
    Famílias grandes nos ensinam de tudo...
    Do amor ao desamor...
    Acontece...
    Muito obrigada por nos contar sua emoção e nos fazer transportar para coisas mais relevantes na entrada da noite, depois de um dia com desafios vencidos.
    Terá ainda muitas outras alegrias com seus meninos.
    Tenha um julho abençoado e feliz!
    Beijinhos fraternos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Roselia, que comentário mais cheio de ternura, sabedoria e vida vivida! Suas palavras me abraçaram como quem senta junto, compartilha memórias e aquece o coração da gente no fim do dia. É lindo perceber como a sua história se entrelaça com a de tantas outras mulheres fortes, amorosas e presentes avós, mães, filhas, todas tecendo essa um tecido abstrato de afeto que sustenta a gente nos dias bons e também nos difíceis. Sim, famílias grandes nos ensinam de tudo do riso ao choro, do caos ao aconchego. E você trouxe tudo isso com tanta delicadeza, que só posso agradecer por essa partilha generosa. Que julho venha mesmo com bênçãos e mais desses encontros que nos fazem lembrar do que importa. Um beijo enorme no seu coração!

      😘

      Excluir
  4. Que bom que vocês descem vertiginosamente para dentro da vida. As duas, mãe e filha. A família. Que laços afetivos, afetuosos. Qualquer outra palavra será benvinda, mas a de Clarinha basta!
    Um abraço, Nanda!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eros, que coisa linda isso que você escreveu “descem vertiginosamente para dentro da vida”… Fiquei com essa imagem vibrando em mim, como quem mergulha fundo sem medo, de mãos dadas com quem se ama.
      A palavra de Clarinha bastaria, sim mas tua sensibilidade chegou como um abraço que amplia tudo. E é bonito demais quando o afeto transborda até no jeito de observar a vida dos outros. Obrigada por esse olhar generoso, por reconhecer os laços e por celebrar junto com a gente. Um abraço apertado de volta, com muita gratidão!

      Nanda l!😘

      Excluir

depois que a letra nasce
não há silêncio
há um choro que só eu ouço
e um medo que ninguém vê
o medo de mostrar demais
de sangrar diante de estranhos
de ser lida com desdém
ou pior: com pressa
porque parir palavras
é também deixar o peito aberto
num mundo que não sabe lidar
com quem sente fundo
a escrita respira fora de mim
e eu, nua, assisto
alguns dizem que é lindo
outros nem leem até o fim
há quem tente vestir meu poema
com a própria assinatura
como se dor fosse transferível
como se parto tivesse atalho
e é aí que mais dói
quando roubam o nome da minha filha
e fingem que nasceu de outra boca
quando arrancam o umbigo do texto
e dizem: “isso é meu”
não é
eu sei cada madrugada que ela levou
cada perda que empurrou esse verso
cada lágrima que virou frase
não quero aplauso
mas exijo respeito
porque minha escrita
anda no mundo com meu rosto
meus olhos, minha história
e quando alguém a toma como se fosse nada
está me dizendo:
“você também é nada”
mas eu sou tudo
o que ninguém teve coragem de escrever
e continuo parindo
mesmo ferida
porque escrever é a única forma
que conheço de sobreviver
(Fernanda)