Hoje, agradeci por mais um dia. Mas não foi um agradecimento qualquer, desses que a gente repete sem pensar. Foi um agradecer com alma, com olhos úmidos e coração desperto. Um agradecer que veio junto com a luz suave da manhã, e se misturou ao cheiro de terra molhada, à certeza simples de estar viva.
Hoje, emocionei-me com o canto dos pássaros.
Não sei se era alegria ou lamento, mas sei que me atravessou como quem diz:
“Escute. A vida está aqui, mesmo quando parece ausente.” Fiquei ali, parada, como quem reza sem palavras, só com o peito.
Acolhi uma joaninha que caíra de uma folha, tão pequena, tão indefesa,
e ali, nas minhas mãos, ela parecia confiar. Tão raro isso… a confiança pousar sobre a gente sem medo. Recolhi-a com ternura, como quem devolve ao mundo o que ainda é puro, e desejei, no silêncio do gesto, que todo ser tivesse um lugar de abrigo.
Sorri para a brisa.
Ela chegou devagar, como quem não quer interromper,
mas fazer parte. Toque leve no rosto, quase um carinho,
como se dissesse: “Você está indo bem.”
Hoje, fui morada de pequenos milagres.
Nada esplendoroso, nada que brilhe aos olhos do mundo. Mas tudo que me tocou, tocou fundo.
E isso já basta para dizer:
vivi um dia inteiro, mesmo que o relógio ainda não tenha girado tudo.
Porque há dias em que viver é simplesmente acolher o que é pequeno demais para o barulho, mas grande o suficiente para ensinar amor.
⸻
O que sustenta a vida não é o grandioso.
É o detalhe silencioso,
onde mora o divino sem anúncio.
Fernanda
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depois que a letra nasce
não há silêncio
há um choro que só eu ouço
e um medo que ninguém vê
o medo de mostrar demais
de sangrar diante de estranhos
de ser lida com desdém
ou pior: com pressa
porque parir palavras
é também deixar o peito aberto
num mundo que não sabe lidar
com quem sente fundo
a escrita respira fora de mim
e eu, nua, assisto
alguns dizem que é lindo
outros nem leem até o fim
há quem tente vestir meu poema
com a própria assinatura
como se dor fosse transferível
como se parto tivesse atalho
e é aí que mais dói
quando roubam o nome da minha filha
e fingem que nasceu de outra boca
quando arrancam o umbigo do texto
e dizem: “isso é meu”
não é
eu sei cada madrugada que ela levou
cada perda que empurrou esse verso
cada lágrima que virou frase
não quero aplauso
mas exijo respeito
porque minha escrita
anda no mundo com meu rosto
meus olhos, minha história
e quando alguém a toma como se fosse nada
está me dizendo:
“você também é nada”
mas eu sou tudo
o que ninguém teve coragem de escrever
e continuo parindo
mesmo ferida
porque escrever é a única forma
que conheço de sobreviver
(Fernanda)