Por aqui, todos já se recolheram. Estavam exaustos das brincadeiras do dia.
A noite chegou mansa, com aquele convite silencioso para o descanso.
O programa era simples: deixar o corpo quieto e a alma repousar no momento presente, enquanto o amanhã ainda se prepara para nascer. Mas euzinha, estava na organização de tudo. Depois, vim relaxar um pouco enquanto André, se banha.
Nosso voo é às 14h25.
Prefiro ficar à frente de tudo não por controle, mas por paz.
Organizar me acalma, dobrar as roupas me alinha por dentro, colocar cada coisa em seu lugar me devolve ao eixo. Sim, sou a pessoa que cuida, que ajeita, que pensa nos detalhes.
Sou essa mulher que, no meio do cansaço, ainda encontra doçura em cuidar.
Amo fazer isso.
Amo cuidar dos meus com o mesmo esmero de mãe que herdei talvez da minha
e que foi, talvez, a minha maior graça.
Cuidar é meu modo de amar.
É a forma que encontrei de dizer “estou aqui” mesmo quando o mundo parece apressado demais para ouvir.
E enquanto todos dormem, o silêncio me faz companhia.
Ele me entende.
Sabe que, entre uma mala e outra, o que realmente preparo é o coração
para o voo de amanhã e para todos os outros que a vida ainda há de me pedir.
Fernanda
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depois que a letra nasce
não há silêncio
há um choro que só eu ouço
e um medo que ninguém vê
o medo de mostrar demais
de sangrar diante de estranhos
de ser lida com desdém
ou pior: com pressa
porque parir palavras
é também deixar o peito aberto
num mundo que não sabe lidar
com quem sente fundo
a escrita respira fora de mim
e eu, nua, assisto
alguns dizem que é lindo
outros nem leem até o fim
há quem tente vestir meu poema
com a própria assinatura
como se dor fosse transferível
como se parto tivesse atalho
e é aí que mais dói
quando roubam o nome da minha filha
e fingem que nasceu de outra boca
quando arrancam o umbigo do texto
e dizem: “isso é meu”
não é
eu sei cada madrugada que ela levou
cada perda que empurrou esse verso
cada lágrima que virou frase
não quero aplauso
mas exijo respeito
porque minha escrita
anda no mundo com meu rosto
meus olhos, minha história
e quando alguém a toma como se fosse nada
está me dizendo:
“você também é nada”
mas eu sou tudo
o que ninguém teve coragem de escrever
e continuo parindo
mesmo ferida
porque escrever é a única forma
que conheço de sobreviver
(Fernanda)