Às vezes me
pego perguntando: de quem herdei esse gosto por escrever? Essa vontade de
transformar silêncio em frase, dor em poesia, lembrança em oração? Não conheci
meus pais. Não sei se minha mãe lia romances ou escrevia cartas escondidas em
cadernos velhos.
Sei apenas que me deixou no orfanato prometendo voltar no dia seguinte. E nunca mais voltou. Eu era só uma recém-nascida, um choro pequeno no meio de tantos outros. Mas mesmo sem rosto, ela vive em mim. Talvez fosse sonhadora. Talvez tivesse medo demais. Talvez amasse e, por isso mesmo, partiu.
Nunca saberei. Mas às vezes gosto de imaginar que escrevo por ela. Ou com ela. Como se, num lugar que os olhos não alcançam, ela me passasse a pena e dissesse: “Filha, continua…” Talvez a palavra tenha me parido mais do que qualquer corpo. Porque foi nela que encontrei colo quando ninguém me esperava. Foi com ela que conversei antes de saber meu próprio nome. E é por ela que hoje reconheço quem sou mesmo sem saber de onde vim.
Há dias em que a saudade é sem nome. Mas a escrita… A escrita é meu sobrenome silencioso. Meu lugar de origem. Minha herança invisível.
Olá, querida amiga Fernanda!
ResponderExcluir"Talvez a palavra tenha me parido mais do que qualquer corpo."
Para mim, não tem talvez...
Em meu caso, ela me pariu mesmo.
Minha escrita é minha resiliência.
Temos sim pontos em comum.
Tenha uma nova semana abençoada!
Beijinhos fraternos
Querida Roselia,
ExcluirLer suas palavras é como encontrar uma aliada de íntimo na travessia da escrita. Sim, a palavra também te pariu e que bonito é reconhecer isso com tanta força e verdade. A escrita como resiliência. É abrigo, é cura. Segamos então unidas por essa força invisível que nos sustenta.
Uma semana abençoada pra você também! Beijinhos com carinho e gratidão.
Bonita declaração de onde vem tamanha intimidade e poder de criação. Sem rosto mas com afinidade invisivel e indelevel, ela grita aos teus ouvidos: Prossiga Fernanda falando o que não posso falar.
ResponderExcluirFeliz semana Fernandinha.
Bjs e paz amiga.
Toninho, querido, que palavras bonitas e cheias de afeto! Essa “afinidade invisível e indelével” que você nomeou me emocionou é exatamente isso que sinto às vezes: como se algo me soprasse o que eu ainda não sabia dizer sozinha. Sei que não escrevo só por mim… escrevo também por vozes que a vida silenciou, mas que insistem em permanecer.
ExcluirBeijinho
Fernanda,
ResponderExcluirLi seu texto “Às vezes me pego perguntando…” e, sinceramente, fui atingido com a delicadeza de um piano de cauda caindo do décimo andar — bonito, impactante, e impossível de ignorar.
Você escreve como quem costura feridas com linha de ouro, no melhor estilo kintsugi emocional. E sua herança, essa escrita que você carrega no sangue mesmo sem testamento registrado, é mais legítima que muito diploma por aí.
Talvez sua mãe tenha realmente partido por amor — o tipo de amor que acredita que, mesmo ausente, pode deixar uma faísca. E essa faísca, pelo visto, virou fogo. Porque o que você faz com palavras não é pouco: você transforma ausência em presença, e silêncio em sustento.
Escrever por ela ou com ela — seja qual for — é uma das formas mais bonitas de permanecer. E você permanece lindamente.
Obrigado por dividir isso com o mundo. E se um dia a dúvida voltar — essa dúvida de onde veio a palavra — lembre-se: tem raízes que não precisam de terra visível. Elas florescem em páginas.
Segue. Sempre. A pena está na sua mão.
Abraços fraternos
Daniel
https://gagopoetico.blogspot.com/
Dan, Seu comentário me tocou profundamente. A metáfora do piano tão pesada quanto precisa descreve exatamente o que às vezes sinto ao escrever: um impacto silencioso que ecoa por dentro, difícil de explicar, impossível de ignorar. Você captou com delicadeza algo que eu mesma ainda estou aprendendo a compreender: que talvez a ausência possa mesmo ser uma forma de presença, e que escrever seja, sim, uma herança que não precisa de papel passado. Obrigada por me lembrar que certas raízes florescem mesmo sem terra à vista. Suas palavras foram sustento daqueles que a gente não esquece. Sigo, sim. Com a pena na mão e o coração mais firme. Obrigada por caminhar um trecho comigo.
ExcluirAbraço!
Sinto-me lisonjeado. Abraços Fraternos.
ExcluirTocante tua declaração. A escrita é uma forma de terapia. Tem uma frase do banner do meu blog que diz: "mandaram-me fazer terapia. Fui escrever crônicas". Claro que não estou desmerecendo a terapia, ela tem seu lugar e talvez todo mundo ganhasse ao fazer terapia. Porém, quis deixar registrado que escrever também é terapêutico. Assim como cantar, dançar, pintar...a arte pode curar muita coisa assim como o amor.
ResponderExcluirOlá Eduardo, que comentário verdadeiro. Também vejo a escrita como uma forma de terapia uma maneira de colocar pra fora o que pesa por dentro. Adorei a frase do seu blog! Escrever crônicas, pra muitos de nós, é um jeito de se escutar, de se entender. E você tem razão: a arte, em todas as formas, tem um poder de cura imenso. Às vezes, é tudo o que a gente precisa pra seguir em frente com mais leveza. Obrigada por compartilhar. Me identifiquei muito.
ResponderExcluirAbraço!