Há dias em que a vida parece decidir brincar de ser vento forte. Abre as janelas sem pedir licença, vira nossos papéis, espalha nossas certezas pelo chão e ainda reclama que fizemos bagunça. É nesses dias que muita gente, num suspiro impaciente, olha para o céu e diz: Por quê, meu Deus?
Mas, com o tempo e com alguns "tropeços" que não nego aprendi uma coisa que mudou tudo: Deus não é o autor dos meus infortúnios. É o amparo que segura minha coluna quando eles chegam.
A gente tem mania de transformar Deus em gerente de destino, como se Ele estivesse lá em cima distribuindo sol e tempestade conforme humor ou merecimento. Mas a vida é muito mais complexa que isso. A vida é consequência. É semeadura. É escolha. É retorno. É estrada que se faz ao caminhar inclusive com as pedras que nós mesmos colocamos.
Lembro-me de uma senhora que encontrei na clinica outro dia. Sentou-se na minha frente, com olhos marejados, e desabafou: Deus me castiga demais.
Eu segurei sua mão e respondi com a doçura que aprendi com os mais velhos:
Minha querida… Deus não castiga. Deus sustenta.
E sustenta mesmo.
Sustenta quando a perda parece arrancar o chão.
Sustenta quando o corpo não acompanha a alma cansada.
Sustenta quando o sonho que demoramos a bordar se desfaz como renda velha.
Sustenta nos instantes em que só conseguimos chorar porque, às vezes, é só isso que conseguimos.
O que Ele não faz é nos colocar no sofrimento como quem coloca um aluno de castigo. A vida, com suas curvas e descaminhos, já se encarrega de nos ensinar. E, cá entre nós, quase sempre aprendemos mais com os tropeços do que com os acertos.
Culpar Deus é simples. É rápido. É quase automático.
Difícil mesmo é assumir que parte dos nossos infortúnios nasce das nossas decisões, da nossa pressa, das nossas teimosias. Difícil é reconhecer que, às vezes, fomos nós que entramos em portas fechadas, insistimos em afetos que já tinham ido embora, gastamos nossas forças com o que não nos nutria.
Deus não cria nossas dores, Ele cria caminhos para que a gente passe por elas.
E quando o sol volta, porque volta, é sempre Ele quem colore o céu primeiro.
Quando algo me acontece, respiro fundo e digo:
Senhor, me ajuda a entender.
Não “por quê?”, mas “para quê?”.
Não “por que comigo?”, mas “o que devo aprender?”.
E aí a vida, generosa como quem sabe esperar, vai desvelando aos poucos os fios que antes pareciam nós. No fundo, essa é a grande verdade: não culpe a Deus pelos seus infortúnios. Agradeça pelo ombro que sustenta você enquanto atravessa cada um deles.
Fernanda
Um comentário do nosso amigo Luciano me fez refletir.
Durante muito tempo eu acreditei, seguindo as doutrinas cristãs, que Deus não somente criou tudo mas também intervinha nos negócios humanos. Durante os anos, depois de muitas leituras e reflexões, cheguei à conclusão que isso não pode ser assim. Primeiro que nem mesmo temos certeza que haja um ser tal qual chamamos de "Deus" - só podemos acreditar pela via da fé. Inda mais se esse Deus a todo momento estiver mexendo nas pecinhas da história humana premiando alguns e castigando a outros ao seu bel prazer, apenas por ser "absoluto e pode fazer o que quiser", como pensa o ramo calvinista do cristianismo.
ResponderExcluirCada cabeça de devoto é uma cabeça diferente e uma crença diferente. Você acredita que Deus não faz assim, outro tem certeza que ele faz.
E o que realmente Deus faz? Quem dá mais...?
abraços.
Eduardo, querido,
ResponderExcluirque reflexão rica a sua.
E é bonito ver alguém pensar a própria fé ou a ausência dela com tanta honestidade.
Eu apenas vejo de um outro jeito, mais simples talvez.
Para mim, Deus não é esse “manipulador de pecinhas”, movendo destinos, premiando uns e punindo outros. Também não acho que Ele interfira como quem escolhe favoritos. Se fosse assim, realmente seria incoerente, injusto e até cruel.
O que acredito e claro, é só a minha vivência é que Deus não interfere nos acontecimentos, mas sim em nós. Não muda os fatos: muda as forças. Não impede a dor: oferece amparo para atravessá-la. Não controla o mundo: sustenta a gente dentro dele.
E isso, para mim, não precisa nem de prova.
Basta perceber quando uma serenidade inesperada aparece no meio de uma falta de ordem, quando uma coragem chega “do nada”, quando uma pessoa surge justamente no momento em que mais precisamos.
Alguns chamam de acaso.
Eu chamo de Deus fazendo o que sempre fez: sussurrando força onde parecia não haver nenhuma.
Mas é como você disse cada cabeça vive Deus
(ou não) de um jeito.
E talvez o mais bonito seja isso: a fé não é para convencer ninguém, é para iluminar quem sente.
De toda forma, sua reflexão traz um ponto que vale ouro: se existe ou não, se intervém ou não, ainda assim vale a pena pensar sobre o que fazemos com a vida, com a dor e com a esperança.
Porque, no fim, Deus pode até ser uma dúvida mas o bem que fazemos no mundo nunca é.
Abraço fraterno, Eduardo.
Tenha uma linda noite 🙏🏻