Diário
Ontem,
encontrei um bilhetinho de amor.
De quem? De Pedro.
Meu filhote de nove anos, que ainda mistura as letras do caderno com migalhas de biscoito e o cheiro de recreio. O bilhetinho estava escondido entre os gibis, como tudo o que é precioso nesta casa sempre acaba ficando haha.😅
Depois da escola, sentei o pequeno ao meu lado, como quem convoca uma reunião extraordinária do coração e perguntei.
Vida, a mamãe achou isso aqui no meio dos seus livros.
Ele olhou o papel amassadinho, respirou fundo e, com a naturalidade de um sábio centenário, soltou: Mamãe, eu tinha perdido isso! Ia dar pra Flavinha hoje. A poesia tá quentinha… fiz ontem à noite.
Quentinha.
A poesia.
E eu ali, segurando o riso, o susto e um certo orgulho que cresceu sem pedir licença.
Vida, você quer me explicar essa história direito?
Ele ajeitou o tênis, ergueu o queixo e disse, como quem anuncia um decreto irrevogável:
Sim, mamãe. É que já tá muito certo que quando a gente crescer vamos casar.
Pausa dramática.
Eu sei que a senhora ficou assustada, né?
Assustada não era bem a palavra.
Eu diria… surpreendida, tentando não rir nem chorar de ternura.
Mas Pedro não perdeu o embalo:
É a lei da natureza do homem, mamãe. Quando tiver condições, ele tem sua companheira… igual a senhora e o papai. E aí vivem felizes.
André, do outro lado da sala, quase explodiu numa gargalhada.
Eu só precisei lançar um olhar daqueles que já vêm prontos no kit maternidade:
“Não estraga o momento do menino.”
E ele entendeu.
Ficamos ali, nós três: eu, contendo risos; André, engolindo o deboche amoroso; e Pedro, com sua convicção de gente grande e seu bilhetinho de amor quentinho.
E no meio de tanta poesia inesperada, eu pensei:
O amor, quando começa cedo, sempre sabe o caminho.
Ainda que passe por uma folha de caderno, uma Flavinha de olhos brilhantes e a certeza absoluta de um menino de nove anos que acredita na lei da natureza, aquela que só o coração das crianças conhece bem.
E então, depois de todo o discurso dele sobre destino, casamento e as leis secretas da existência, Pedro respirou fundo, como quem finaliza uma tese, e completou:
Mamãe, eu só não dei hoje porque perdi o bilhete. Mas amanhã eu dou. Não posso deixar a poesia esfriar.
Ah, meu Deus.
Eu quis abraçar o mundo inteiro naquele instante.
E o que tem nessa poesia, Vida? perguntei, tentando não soar curiosa demais.
Ele deu de ombros, com a serenidade de quem escreve versos há décadas:
Mamãe a senhora não leu?
Bom, eu corri os olhos nela mas…
Tudo certo mamãe é só um poema sobre o sorriso dela. Porque às vezes ele é tão bonito que parece que o sol saiu só um pedacinho, só pra ela.
Olhei pra André.
André olhou pra mim.
Nós dois nos derretemos oficialmente.
E então veio o golpe final do meu pequeno poeta:
A senhora não acha bonito um homem gostar de alguém e dizer?
Pronto.
Eu, que já estava com a maternidade em brasa no peito, virei pura manteiga derretida.
Acho bonito, sim respondi. Muito bonito, filho.
Ele então guardou o bilhete dentro de um livro como quem protege um tesouro.
Amanhã eu dou pra ela. E se ela não gostar, tudo bem. A poesia ainda fica comigo. Porque o que a gente sente, mamãe, ninguém tira, né?
Respirei fundo, tentando guardar aquele instante num potinho.
É isso mesmo, Vida.
O que a gente sente… ninguém tira.
E enquanto ele saía da sala, todo importante, André finalmente riu. Riu solto, riu feliz, riu como quem reconhece que o amor tem dessas coisas começa cedo, é ingênuo, é corajoso e é lindo.
Ficamos em silêncio por alguns segundos, ouvindo Pedro no quarto ensaiar sua mochila para o grande dia.
Amor, disse André, estas crianças parecem ter saído de você! Eles tem seu jeitinho especial.
Sorri.
E pensei:
Quem sabe um bilhetinho amassado seja mesmo o primeiro ensaio do coração?
Quem sabe o amor não começa assim, num verso quentinho escrito antes de dormir?
E quem sabe… amanhã… a Flavinha abra o papel, sorria, e o sol saia um pedacinho só pra ela.
Quando Pedro terminou seus ensaios e foi brincar, fiquei ali pensando nesse enredo que começou tão cedo e tão naturalmente entre ele e Flavinha.
A verdade é que eles são amiguinhos desde os dois anos, daqueles que cresceram dividindo brinquedos, birras, aniversários com bolo de chocolate e todas as manias que só a infância entende. Estudam juntos desde sempre, e as famílias… as famílias também se encontraram pelo caminho.
Os pais dela são nossos grandes amigos, daqueles que a gente confia sem precisar pensar, que chegam pra somar. Crescemos todos juntos nesse pacto silencioso de cuidado e convivência, onde as crianças florescem livres, mas com raízes firmes.
E é por isso que levamos tudo com a seriedade que uma criança precisa sem exageros, sem romantizações adultas, sem projetar futuros que não nos pertencem.
Cuidamos com prudência, como quem segura um passarinho na palma da mão: com leveza, mas com responsabilidade.
Porque o carinho que nasce entre duas crianças é coisa pura, leve, quase sagrada.
É só amizade que cresce… e às vezes vira poesia quentinha escrita à noite.
É só ternura que ainda não sabe seu nome, mas já sabe seu caminho.
E ali, entre bilhetes perdidos, gargalhadas sufocadas de André e minha tentativa de manter o coração no peito, eu entendi: o amor que eles carregam não precisa ser explicado, moldado, ou direcionado.
Só observado, acolhido e protegido.
E, do jeito certo o jeito deles tudo segue bonito e tranquilo, como deve ser na infância.
Afinal… há sentimentos que precisam apenas de espaço para respirar.
E nós, adultos, ficamos guardando a porta aberta, vigiando com carinho e prudência, enquanto eles descobrem o mundo um bilhetinho amassado de cada vez.
E aqui em casa, guardamos varios fututuros poetas😍
Fernanda
Oi, Fernanda! Bom dia! Que lindeza, não? Que seus filhos possam carregar o amor e a poesia que herdaram dos pais durante toda vida. É muito bonito quando há numa família essa harmonia amorosa e esse cuidado desde cedo. Abraço!
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