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Eu amo escrever. Escrevo porque às vezes não cabe tudo aqui dentro. Porque há sentimentos que só se organizam quando viram palavras, e pensamentos que só fazem sentido quando dançam na página. Amo também olhar o céu e talvez isso diga tudo. Há quem olhe o céu para prever o tempo, eu olho para prever a mim mesma. Há algo em observar as nuvens, as estrelas ou o silêncio azul que me faz lembrar que existe poesia mesmo nos dias comuns. Este blog nasce desse encontro: entre a escrita e o céu. Vai ser um espaço para dividir pensamentos, contar histórias, guardar pedaços de mim e talvez, de você também, que me lê agora. Obrigada por estar aqui. Que você se sinta à vontade. Que cada texto seja como uma janela aberta, onde o vento entra leve e, quem sabe, traz um pouco de luz também

Amor sempre....

Amor sempre....
Caminho entre flores. O chão continuará pra nós com outras paisagens. Sou o que sou, porque é tudo que sei ser. E todo meu olhar escrito que você nunca aprendeu a ler, permanecerá no descaso para quem não compreende.

26 julho, 2025

Tantas em uma só

Aleatoriamente um toque de poesia
Crônica: 



Hoje coincidiu. Coincidiu como só o destino, com sua pontualidade desajeitada, sabe fazer: estávamos os dois em casa, sem plantão. Sem sirene, sem mensagens urgentes, sem café entornado às pressas. Só nós, e o sossego que nunca vem anunciado.

A casa, estranhamente calma, parecia até respeitar nosso raro descanso. O relógio não gritou, o celular ficou tímido, e até o vento das janelas, por algum milagre doméstico, resolveu bater palmas baixinho. Achei graça. Fui aproveitar o milagre com a dignidade possível de uma mulher que ama demais, faz demais, sente demais.

E fui ser.
Fui ser a filha: comi mamão cortado em cubinhos, daquele jeito que só meu pai sabe fazer, com uma dose generosa de “não esquece o casaco”. Fui ser a esposa apaixonada: deitei no sofá com a cabeça nas pernas de André, como quem encontra pouso no meio do furacão. Ali, entre as mãos dele que me afagam os cabelos distraidamente, posso até esquecer que o mundo anda meio torto.
E fui ser mãe que é quando me descubro maior do que eu, mais inteira, mais atenta, mais coração do que razão.

E, sem pedir licença, fui todas essas ao mesmo tempo. Como quem junta várias vidas dentro do mesmo corpo e ainda sorri com sobra. Deitada ali, cabeça nas pernas de André e os “pezinhos”😏  hahahaha
enfiados nas pernas do meu pai, eu ri da minha própria geografia. Um triângulo amoroso do bem: amor de pai, amor de homem, amor de mulher. Um equilíbrio meio torto, meio mágico.

Eles riam das minhas manias. Eu ria da sorte de ter a quem chamar de “meus”. E o sofá, aquele cúmplice silencioso, sustentava essa cena como quem entende que amor assim precisa de ser apresentado   mesmo que seja um tapete torto e um controle remoto perdido.

E no meio de tudo, pensei: como é bom ser tantas em uma só. Mesmo quando o mundo cansa, mesmo quando ser tudo parece demais, há dias como hoje em que isso se torna cura.

Não é sobre descanso. É sobre pertencimento.
Sobre deitar o corpo e deixar que o afeto carregue o resto.

Hoje coincidiu.
E ainda bem.

Depois, quando a noite chegou devagarinho daquelas que vêm se espreguiçando com preguiça de escurecer André e eu fomos para o quintal. Estava fresco, com cheiro de planta molhada e silêncio bom. Sabe aquele silêncio que não pesa? Que acomoda? Pois era esse.

Sentamos lado a lado, como dois amigos antigos, como dois cúmplices que sobreviveram a muitas segundas-feiras e plantões Estávamos ali: eu, ele e a lua.

A lua, aliás, estava escandalosamente linda. Uma coisa meio exagerada, tipo eu quando me apaixono ou resolvo arrumar o armário às três da manhã. Ela se mostrava inteira, redonda, feito promessa que não falha. André ficou olhando pra ela com aquele ar contemplativo que só ele tem, e eu fiquei olhando pra ele. (Sou mais chegada em contemplar gente do que astro.)

Conversamos sobre tudo e sobre nada. Sobre coisas que já vivemos e outras que nem sabemos se vamos viver. Ele me ouviu, eu ouvi ele. Entre uma frase e outra, ele passou o braço por trás de mim, me puxou pra mais perto, e eu achei que ali estava meu lugar exato no mundo: entre o ombro dele e a brisa que fazia barulho nas folhas.

No final da conversa, do nada porque André tem essa mania de dizer as coisas mais lindas como quem comenta o tempo ele olhou pra mim com uma ternura desavisada e disse:
“Você é preciosa. Graciosa. Linda.”

Eu, claro, fiquei vermelha. Daquele vermelho que começa atrás da orelha e se espalha até o coração. Quis rir, quis esconder o rosto, quis dizer “bobo”, mas fiquei quieta. Porque há palavras que a gente não interrompe. A gente escuta e guarda.

Guardei. Como quem esconde bombom na gaveta e só abre nos dias ruins.
Preciosa. Graciosa. Linda.
Palavras simples. Mas, ditas por ele, viraram medalha no peito.

Naquela noite, fui de novo todas em uma só.
Mas ali, naquele quintal com cheiro de planta, fui, sobretudo, amada.
E isso bastou.

É assim na linda noite: quando o tempo desacelera, quando o coração sossega no compasso do amor que não corre, que não atropela, que simplesmente fica.

No meio das margaridas aquelas que plantei meio sem saber, num impulso romântico de quem ainda acredita no gesto pequeno a poesia fluiu. Não dessas rimadas, de papel e caneta. Mas a outra, a que nasce viva entre os corpos que se entendem no silêncio.

As margaridas estavam quase fechando, sonolentas, mas ainda dispostas a nos assistir. Era como se soubessem que aquilo ali era bonito demais pra passar em branco.

André encostou o queixo no meu ombro, falou baixinho sobre a vida que estamos construindo, sobre os dias bons e os difíceis, sobre o que ainda não entendemos, mas seguimos tentando. E eu, com os olhos úmidos de beleza, quis guardar tudo a voz, a lua, o cheiro das flores, o calor dele, a paz.

A poesia fluiu sem aviso, como as melhores coisas.
Ela escorreu pelo meu sorriso tímido, escorregou no carinho que ele me fazia no rosto, floresceu no chão de terra onde as margaridas insistem em brotar.

E ali, de novo, fui todas.
Fui filha, com cheiro de infância e colo de pai.
Fui mãe, com a ternura ocupando o peito inteiro.
Fui mulher, com desejo e pudor, com vontade de rir e de ficar. E fui a poeta sem papel, sem lápis só com a alma entregue ao instante.

É assim quando a gente ama e é amada: até a noite vira verso. E as margaridas viram testemunha de um amor que, sem esforço, floresce com um beijo!



Fernanda

Um comentário:

  1. Assim como bem a definiu o André, uma cronica graciosamente bela Fernanda, onde podemos sentir toda sua emoção e sensibilidade para pequenos movimentos, que fazem grandeza no seu coração.
    Lindo mesmo amiga.
    Bjs e paz e feliz domingo para uma semana de levezas e delicadezas com cheiro de frutos maduros nos quintais.

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depois que a letra nasce
não há silêncio
há um choro que só eu ouço
e um medo que ninguém vê
o medo de mostrar demais
de sangrar diante de estranhos
de ser lida com desdém
ou pior: com pressa
porque parir palavras
é também deixar o peito aberto
num mundo que não sabe lidar
com quem sente fundo
a escrita respira fora de mim
e eu, nua, assisto
alguns dizem que é lindo
outros nem leem até o fim
há quem tente vestir meu poema
com a própria assinatura
como se dor fosse transferível
como se parto tivesse atalho
e é aí que mais dói
quando roubam o nome da minha filha
e fingem que nasceu de outra boca
quando arrancam o umbigo do texto
e dizem: “isso é meu”
não é
eu sei cada madrugada que ela levou
cada perda que empurrou esse verso
cada lágrima que virou frase
não quero aplauso
mas exijo respeito
porque minha escrita
anda no mundo com meu rosto
meus olhos, minha história
e quando alguém a toma como se fosse nada
está me dizendo:
“você também é nada”
mas eu sou tudo
o que ninguém teve coragem de escrever
e continuo parindo
mesmo ferida
porque escrever é a única forma
que conheço de sobreviver
(Fernanda)