Era domingo. E como todo domingo de mãe aposentada e bem relacionada, havia uma mesa posta, café coado no pano, pão de queijo quente e assunto rendido até o pé da goiabeira. A mesa estava completa: minha mãe e suas duas amigas inseparáveis, mais as mães- sogras, que eu chamo carinhosamente de
“o trio parada dura do bairro”.
Entrei despretensiosamente pra pegar uma água, e mal percebi que estava entrando num tribunal de adoração. Um júri de afeto. Um altar de exageros.
Minha mãe falava de mim como se eu fosse uma santa canonizada em vida.
(Lembrei de Andre e seu coementário) kkkkk
Porque a minha filha… ah, ela é um anjo. Não é só filha, é amiga, é apoio, é companhia, é alma boa. Uma benção! Eu já dei aquela virada discreta de olhos. Pensei: “Lá vem…”
Mas o que eu não esperava era a escalada bíblica da coisa. Com as mãos entrelaçadas e o olhar marejado, ela me soltou essa: Olha, eu digo que a minha filha é a reencarnação da nora de Noemi. Da Bíblia. Rute! Uma mulher que não abandona, que está sempre presente comigo, a mãe de Felipe e a de Andre. Que cuida, que ama, que é leal…
Deus do Céu!
Naquele momento, tive um curto-circuito emocional.
Voltei da cozinha muito devagar como quem retorna de um transe. Me escondi na varanda, com a face vermelha, rindo sozinha feito adolescente flagrada com bilhete de amor no bolso.
Rute, minha gente. Rute.
Logo eu, que já quis fugir pra outro país por causa de uma TPM, que já respondi minha mãe com um “tá bem mãe” mais longo que oração de missa, agora promovida à categoria de símbolo de fidelidade intergeracional? E ao vivo, na presença da comadre Lourdes e da tia Neuza?
É claro que a varanda foi meu exílio temporário. Fiquei ali tentando me recuperar da santificação precoce. E escutando, de longe, as outras mães entrando no embalo:
A minha também é assim… mais ou menos.
A minha, quando não tá de mau humor, é um doce.
Mas a minha mãe… não. A minha mãe subiu o tom. Me pintou como milagre doméstico. Disse que eu a entendo com o olhar, que sei do que ela precisa antes dela pedir, que sou mais eficiente que o SUS e mais constante que o Wi-Fi.
Ah, o amor de mãe…
Capaz de reinventar a verdade, ignorar o passado (e o presente), e ainda costurar um manto de pureza em cima de qualquer teimosia. Risos…
No fim, voltei pra sala, aceitei o café que ela me ofereceu com aquele sorriso cúmplice e recebi beijinhos das amigas, cada uma me olhando como quem toca num relicário. Sorri com humildade
(sem jeito, confesso) e disse: Imagina, mãe… exagero seu.
Mas por dentro?
Ah, por dentro eu até me senti meio Rute mesmo. Só que de cansaço e com vontade de rir.
E se minha mãe me vê como Rute, talvez seja porque, no fundo, eu também escolhi ficar. Escolhi estar. Não só com ela, mas com as outras duas que a vida me deu como presente e desafio: minhas sogras, que também chamo de mães.
Acolhi cada uma com o mesmo olhar que gostaria de receber: com escuta, com paciência
(nos dias possíveis) e com aquele tipo de amor que não vem pronto se constrói.
Entre panelas, silêncios e domingos.
E isso não é santidade, não É só afeto com escolha. É querer ser presença.
E se isso me aproxima um pouquinho de Rute, que seja. Mas sigo sendo Rute com chinelo nos pés, rindo na varanda e com três mães que, cada uma ao seu modo, me ensinaram que amar também é conviver com as diferenças… e não sair correndo.
Então imagina a cena: eu chegando do plantão, com o corpo pedindo banho, cama e a alma querendo silêncio. Cara amassada, cabelo num coque que já não tinha estrutura e um cheiro de café velho “grudado na roupa”. E aí me deparo com essa reverência bíblica.
Minha mãe me olhando como quem viu uma aparição sagrada.
Olha ela aí, a minha Rute moderna, guerreira, incansável! E as amigas em volta, suspirando.
É uma bênção, Cris… uma bênção mesmo.
Eu sorri com aquele riso entre o sono e o sem jeito.
Não sabia se agradecia ou pedia um banho e uma horizontal urgente. Mas fiquei ali, meio tonta, aceitando o carinho como quem aceita um cobertor quente no meio da tempestade.
Porque, no fundo, aquele exagero amoroso me cura mais do que o cochilo que eu ainda não tinha tirado.
E é engraçado como o cansaço se reorganiza dentro da gente quando somos vistas mesmo que por um olhar completamente desproporcional ao nosso real desempenho.
(Mas mãe é assim: especialista em inflar currículo afetivo do filho.)
Me sentei à mesa, puxei um pão de queijo e pensei:
“Se elas soubessem que ontem mesmo, no meio do plantão, eu quase chorei junto com uma senhora pedindo um abraço. Motivo: porque peguei o último tercinho que ela me deu do bolso da mochila…” e dei de presente rsrs. Alguém precisava mais que eu.
Rute, né? Só se for Rute versão 2025: cansada, humana e levemente envergonhada.
Mas também não vou estragar a festa.
Deixei que me achassem santa por mais um domingo.
E pensei que, se é pra ser Rute, então que seja riso, amor, e um bom café forte me esperando. Porque, no fim, tudo que a gente precisa depois de um plantão ou de uma vida é alguém na varanda dizendo:
“Você chegou. E isso já é tudo.”
Tive que rir,Nanda!
ResponderExcluirImagino teu constrangimento. Mães são exageradas quando se trata dos filhos, mas será que ela realmente exagerou?rs...
Acho que ela te conhece bem e sabe das coisas! beijos pra ti e pra ela! chica
Hahaha Chica, você me pegou direitinho! ♥️
ExcluirA gente fica constrangida, mas no fundo sabe que mãe tem esse rada afinadíssimo… exagera um pouquinho, sim, mas quase sempre acerta no alvo! 😂
Obrigada pelo carinho de sempre vou dar um beijo duplo por aqui: um meu e um seu nela!
Beijinhos com afeto de filha flagrada!
😘♥️