O céu noturno é o único teto que não pesa.
A gente olha pra cima e, de repente, tudo que era urgente encolhe.
Tem algo no céu da noite que acalma, mesmo quando a alma está em tempestade. Talvez porque, diante da imensidão, a gente se lembre que é só uma parte pequena, finita, sensível. E, paradoxalmente, isso não assusta. Alivia.
Enquanto a cidade se cobre de luzes artificiais, o céu insiste em sua simplicidade. Um pano escuro bordado de silêncio e estrela. Nenhum alarde. Nenhuma competição. Só presença. Ele está ali, sempre esteve, mesmo quando a gente esquece de olhar.
Gosto do céu noturno porque ele não cobra respostas. Não pergunta se está tudo bem, não exige produtividade, não espera performance. Ele apenas observa, com a paciência das coisas eternas.
Já chorei olhando o céu. Já sorri também. Já pedi sinais. Já agradeci em silêncio. Às vezes falo com meus mortos olhando pra cima. Parece mais fácil acreditar que eles me escutam assim flutuando entre constelações e saudade.
O céu da noite é o mesmo desde os tempos mais antigos. Foi o teto dos pastores, dos profetas, dos que fugiam e dos que buscavam. Nele, o tempo se dissolve. Ontem e amanhã se confundem. Só o agora importa.
Seja na varanda de casa ou deitada num chão qualquer, há algo sagrado no ato de contemplar o céu à noite. É um encontro.
Entre a gente e o que ainda não sabemos nomear.
Fernanda
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depois que a letra nasce
não há silêncio
há um choro que só eu ouço
e um medo que ninguém vê
o medo de mostrar demais
de sangrar diante de estranhos
de ser lida com desdém
ou pior: com pressa
porque parir palavras
é também deixar o peito aberto
num mundo que não sabe lidar
com quem sente fundo
a escrita respira fora de mim
e eu, nua, assisto
alguns dizem que é lindo
outros nem leem até o fim
há quem tente vestir meu poema
com a própria assinatura
como se dor fosse transferível
como se parto tivesse atalho
e é aí que mais dói
quando roubam o nome da minha filha
e fingem que nasceu de outra boca
quando arrancam o umbigo do texto
e dizem: “isso é meu”
não é
eu sei cada madrugada que ela levou
cada perda que empurrou esse verso
cada lágrima que virou frase
não quero aplauso
mas exijo respeito
porque minha escrita
anda no mundo com meu rosto
meus olhos, minha história
e quando alguém a toma como se fosse nada
está me dizendo:
“você também é nada”
mas eu sou tudo
o que ninguém teve coragem de escrever
e continuo parindo
mesmo ferida
porque escrever é a única forma
que conheço de sobreviver
(Fernanda)