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Eu amo escrever. Escrevo porque às vezes não cabe tudo aqui dentro. Porque há sentimentos que só se organizam quando viram palavras, e pensamentos que só fazem sentido quando dançam na página. Amo também olhar o céu e talvez isso diga tudo. Há quem olhe o céu para prever o tempo, eu olho para prever a mim mesma. Há algo em observar as nuvens, as estrelas ou o silêncio azul que me faz lembrar que existe poesia mesmo nos dias comuns. Este blog nasce desse encontro: entre a escrita e o céu. Vai ser um espaço para dividir pensamentos, contar histórias, guardar pedaços de mim e talvez, de você também, que me lê agora. Obrigada por estar aqui. Que você se sinta à vontade. Que cada texto seja como uma janela aberta, onde o vento entra leve e, quem sabe, traz um pouco de luz também

✿Amor sempre....

✿Amor sempre....
Caminho entre flores. O chão continuará pra nós com outras paisagens. Sou o que sou, porque é tudo que sei ser. E todo meu olhar escrito que você nunca aprendeu a ler, permanecerá no descaso para quem não compreende.

28 dezembro, 2025

Recomeçar

Aleatoriamente um toque de poesia
Diário

Recomeçar é uma palavra grande demais pra caber só na boca. Ela pesa no peito, se aloja nas entranhas, faz bagunça de memória. Quando recomecei minha vida, era uma época muito difícil e quem me visse de fora talvez não entendesse a dimensão do terremoto. Porque perder Felipe foi como perder o chão e, depois, perder minha pequena Manuela foi como perder o céu. E aí: como viver entre abismos?

Tínhamos seis filhos três adotivos, três do nosso sangue, todos nascidos no coração. Não falo de trabalho porque isso sempre foi a parte fácil; eu gostava, entendia, me encontrava na rotina. Mas criar crianças enquanto a alma sangra… isso, sim, foi o verdadeiro ofício. Mesmo com meus pais e os de Felipe rondando a casa como anjos teimosos, havia um pedaço de vazio que ninguém sabia varrer.

E o amor?
O amor era guardado na última gaveta, embrulhado em jornais velhos.
Eu, tão menina, morando na adolescência, enfrentando dores que envelhecem a gente por dentro. Meus pais me mandavam viver, olha, minha filha, siga em frente por favor.
Os dias, os meses enfim passavam...
Eles sabiam: eu só queria viver para meus filhos e para o trabalho.
Os outros amores que esperassem.

Aí veio o André.
Ou melhor, o André insistiu, insistiu, insistiu em vir.

Investiu em me conquistar sem nenhuma faísca do lado de cá. Zero. Nem fumaça. Eu fechava a porta, a janela, as cortinas e ainda assim ele encontrava um jeito de deixar uma flor no batente. Eu, que não queria de jeito nenhum mais relacionamentos, via o destino se ajeitando na sala como quem diz: não adianta fugir, Fernanda.

E tinha ainda o pai de Felipe, que parecia fazer parte de uma conspiração cósmica. Às vezes, tinha a impressão de que ele e André trocavam metas secretas sobre mim: ela gosta de café coado bem forte, não esquece. André a princípio não conquistou meu coração, conquistou meus filhos. E isso, para mim, era o centro nervoso do universo. Eles riam com ele como se ali houvesse futuro.

Não aconteceu de um dia pro outro, porque recomeçar não tem pressa. Fui cedendo aos poucos, desfazendo os nós internos como quem aprende a respirar pela primeira vez. Vi que ele era sincero e havia nele um quê de Lipe não a sombra, não a cópia, mas um tipo de bondade parecida, um gesto de cuidado que lembrava a paz.

E ninguém precisa caminhar uma estrada de dois sozinha.
Aceitei isso antes de aceitar o André.
Pedi orientação divina, numa prece tímida e meio torta, como quem diz: Deus, se for bênção, me dá coragem; se for engano, me dá aviso. Mas essa história fica pra outro dia.

Tudo isso pra dizer e digo com a firmeza de quem já caiu e levantou mais de uma vez:
todos devem recomeçar de novo, sim.

Recomeçar não é apagar o que foi vivido.
Não é trair a memória, nem trocar de pele como quem se envergonha da antiga.
Recomeçar é honrar.
É seguir.
É caminhar com quem ficou e com o que restou.

Felipe segue comigo.
Manuela segue comigo.
No silêncio, na prece, no jeito como arrumo a mesa aos domingos.
Nada se apaga quando é amor.

Recomeçar é só outra forma de continuar.

e aprendi isso com o tempo, não com a pressa.

A verdade é que a gente sempre acha que recomeçar é um ato grandioso, desses que merecem fogos de artifício, discursos emocionados, aplausos longos. Mas não é. É quase sempre um gesto mínimo. Um gole de água no meio da tarde. Arrumar a cama pela primeira vez depois de dias sem conseguir levantar. Responder um “bom dia” que antes só passava pelo corpo como um suspiro.

Eu comecei a recomeçar assim: pequeno.
Pequena eu, fazendo pequenas coisas.

E, aos poucos, o tempo foi desalinhavando o luto. Não arrancou; isso ninguém faz. Foi só afrouxando o ponto. Eu me vi sorrindo num dia qualquer e, por um segundo, me assustei. Como pode? E se Lipe visse? E se Manu pensasse que eu estava esquecendo? Era como se eu tivesse que pedir permissão para o próprio coração.

Foi então que percebi:
o coração, quando machucado, aprende a bater como quem pede desculpas.
E eu não precisava me desculpar por viver.

André chegou nesse encontro nem cedo, nem tarde demais e era como se dissesse em silêncio: não quero apagar ninguém; quero somar. Ele nunca tentou preencher o lugar de Felipe, e isso foi seu maior acerto. Ele entrou pela porta da frente da vida, mas não ocupou o cômodo onde o passado dormia. Respeitou cada fotografia na estante, inclusive aquelas em que eu sorria com outro alguém.

E foi ali que senti a palavra recomeçar ganhar outra cor.
Antes era cinza. Depois virou um bege tímido. Hoje, em alguns dias, chega a ser amarelo.

Teve uma manhã, lembro bem, em que acordei e fiz café. O cheiro subiu pela cozinha como uma memória quente, dessas que abraçam. Estava sozinha antes das crianças acordarem. Apoiei as mãos na pia e disse baixinho: eu vou viver. Não era um grito, nem uma promessa. Era só uma constatação.

E viver significava tudo:
trabalhar, criar meus filhos, amar de novo, me permitir, me perdoar.

Os pais de Felipe foram ficando como raízes afetivas não aqueles galhos secos que impedem, mas raízes que seguram a terra quando o vento tenta levar. Eu via nos olhos deles um pedido manso: seja feliz. Não dessas felicidades de fotografia perfeita, mas aquela felicidade possível que mora no intervalo entre uma lágrima e um sorriso.

Foi quando entendi de vez:
o passado não era um fantasma; era fundamento.
O presente não era traição; era continuidade.
E o futuro… o futuro era a coragem de escolher.

Recomeçar não foi um ato; foi uma série de pequenos gestos: um passo, outro passo, uma lembrança boa que não dói tanto, uma risada que não causa culpa, um amor que chega sem pressa. Às vezes acredito que o recomeço é só isso: o instante exato em que a dor deixa espaço para o ar entrar.

Não se apaga o que foi vivido, porque o que é amor não aceita borracha.
O que a vida faz é arquivar não no esquecimento, mas no coração.

E hoje, quando olho para trás, digo com serenidade:
eu recomecei.
E continuo recomeçando.
Talvez a vida seja isso: uma coleção de começos outra vez.

Porque recomeçar, no fim das contas,
é voltar pra vida de mãos dadas consigo mesma.

Por isso, não protele recomeçar.
Se eu pudesse deixar um bilhete na porta de todas as casas onde mora a dor, seria esse: não adie a vida. Ela não espera a gente sarar por completo para continuar. A vida é uma mãe teimosa, pega na nossa mão mesmo quando a gente diz que prefere ficar sentado no chão.

Deus criou o homem para estar acompanhado e não sozinhos.
Não é sobre casal, necessariamente. É sobre companhia. É sobre um olhar que acolhe, uma mão que segura, uma presença que lembra que existimos além da dor. Somos feitos de laços e, quando um se rompe, outros podem nascer. Não para substituir; para sustentar.

Demorei para entender isso.
Tinha medo de parecer ingrata com a saudade, medo de desonrar o amor que já foi. É uma linha tênue, sabe? A gente pisa e o coração estremece, como se estivesse invadindo território sagrado. Mas então percebi: o amor que perdi não era uma prisão; era uma bênção. E bênçãos não amarram, abençoam o caminho.

Um dia, num daqueles encontros silenciosos com Deus dentro de mim, perguntei se eu estava traindo o passado ao deixar o futuro se aproximar. E veio uma intuição mansa, uma resposta sem palavras, só sensação: não é traição seguir vivendo; é gratidão.
Viver é dizer obrigada.

E viver também é permitir companhia.
Foi com André que aprendi a caminhar de novo de mãos dadas. Não porque eu precisava de alguém para me salvar, a minha salvação sempre foi divina e interna, mas porque é mais bonito dividir o abraço que sobra. Ele chegou como quem acende uma luz pequenina em um quarto escuro. Não iluminou tudo de uma vez; deixou meus olhos se acostumarem. Esperou meu tempo. Respeitou meus silêncios.

Você não precisa correr, ele dizia.
E eu pensava: mas também não posso parar.

A verdade é que ninguém foi feito para caminhar eternamente sozinho.
Há uma diferença entre solidão e solitude.
Solidão é o buraco; solitude é o jardim.
A solidão dói; a solitude respira.
E cada uma tem seu tempo.

Recomeçar é quando a gente pega a chave e gira a fechadura de dentro pra fora.
Quando abrimos a porta do peito e deixamos o ar entrar.
Quando o “eu não consigo” vira “talvez hoje eu tente”.

E é por isso que digo, com a alma lavada:
não protele recomeçar.
Não espere a ferida cicatrizar para depois caminhar o gesto de caminhar é parte da cura.
Não espere que o medo vá embora para agir a ação é quem espanta o medo.

Deus nos fez para o encontro.
Para o abraço.
Para o café compartilhado, para a risada que escapa, para o silêncio que acolhe.
Para o amor em todas as suas formas o de ontem, o de hoje, o que um dia, quem sabe, virá.

No fundo, o recomeço não é uma nova vida.
É a mesma vida, agora com mais espaço para a paz.




Fernanda



Um comentário:

  1. Emocionante mais esse texto teu,Nanda! Estás coberta de razão e ao abrir teu coração, as palavras falam tuuuuuuudo! Recomeçaste, tua dor foi amenizando ,nunca desaparecendo as saudades ! Mas, tanto Manuela, quanto Lipe, de onde estão te cuidam e querm a tua felicidade ! E deste chance para ela acontecer novamente! Que bom! Que teu texto sirva de recado para outras pessoas ... Adorei te ler! beijos, tuuuuuuuuuuuudo de bom,chica

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depois que a letra nasce
não há silêncio
há um choro que só eu ouço
e um medo que ninguém vê
o medo de mostrar demais
de sangrar diante de estranhos
de ser lida com desdém
ou pior: com pressa
porque parir palavras
é também deixar o peito aberto
num mundo que não sabe lidar
com quem sente fundo
a escrita respira fora de mim
e eu, nua, assisto
alguns dizem que é lindo
outros nem leem até o fim
há quem tente vestir meu poema
com a própria assinatura
como se dor fosse transferível
como se parto tivesse atalho
e é aí que mais dói
quando roubam o nome da minha filha
e fingem que nasceu de outra boca
quando arrancam o umbigo do texto
e dizem: “isso é meu”
não é
eu sei cada madrugada que ela levou
cada perda que empurrou esse verso
cada lágrima que virou frase
não quero aplauso
mas exijo respeito
porque minha escrita
anda no mundo com meu rosto
meus olhos, minha história
e quando alguém a toma como se fosse nada
está me dizendo:
“você também é nada”
mas eu sou tudo
o que ninguém teve coragem de escrever
e continuo parindo
mesmo ferida
porque escrever é a única forma
que conheço de sobreviver
(Fernanda)