A Semente da Aurora
O outono chegou silencioso, tingindo as ruas de dourado. As folhas caiam como suspiros antigos, e Helena caminhava entre elas com passos leves. Ela já não carregava as dúvidas de antes, mas uma nova inquietação brotava dentro dela: não era mais sobre encontrar ou pertencer. Era sobre construir.
Na escola, começou a notar algo curioso. Os alunos estavam mais atentos, mais abertos. Começaram a escrever com mais profundidade, a fazer perguntas que iam além da matéria. Um deles, certo dia, a chamou de “guardadora de coisas invisíveis”. Ela riu, mas por dentro… compreendeu.
Seu poder não vinha de gestos grandiosos, mas de presença. De ver o que ninguém via, de acolher o que era esquecido. Mas agora, sentia que podia ir além do olhar e da escuta. Podia plantar.
Começou com uma ideia pequena: criar um espaço na escola onde os alunos pudessem apenas… existir. Um lugar de silêncio, arte, conversa e cura. Chamaram de Sala Aurora. Porque, dizia ela, a aurora é o instante em que a noite se dissolve sem violência. Um recomeço calmo.
A sala virou um refúgio. Tinha livros sem nota, tintas sem regra, poemas sem autor. Alguns alunos apenas se sentavam ali para respirar. Outros escreviam bilhetes para si mesmos no futuro. Um garoto colava folhas de árvore em cadernos e as chamava de “orações da terra”.
Helena sabia: aquilo era mais do que um espaço. Era um campo de luz. Um espelho da alma. E não era mais sobre ela — era sobre todos.
Fora da escola, as coisas também começaram a se alinhar. Samuel, inspirado por ela, passou a ensinar fotografia para jovens da comunidade. Capturar a luz do mundo, dizia ele, era uma forma de revelar o invisível. Helena via nele um espelho delicado: alguém que não lembrava de suas asas, mas que voava mesmo assim.
Certa noite, depois de um encontro na Sala Aurora, Helena ficou sozinha ali. As luzes estavam apagadas, só o luar entrava pela janela. Sentou-se no chão, entre papéis, pincéis, desenhos, livros e pequenos sonhos deixados pelos alunos.
Fechou os olhos.
E então sentiu.
Não era uma lembrança. Não era um sonho. Era uma presença.
Uma luz suave envolveu o espaço, e ela soube: não estava sozinha. Era como se todos os pedaços dela — os que viveram, os que amaram, os que falharam, os que esperaram — tivessem voltado.
E no centro de tudo, ali, havia algo ainda mais antigo: o propósito.
Uma voz suave, não audível, mas sentida, tocou sua alma:
“Você não veio para encontrar. Você veio para espalhar. E o amor que você procurava… se transformou em muitos.”
Ela chorou.
Mas era um choro sereno. Um choro de quem compreendeu. Ela havia cumprido sua missão antiga, e agora estava pronta para a nova. Não era mais só um anjo em forma de mulher. Era uma semente de aurora.
E o mundo… estava começando a acordar.
Continua...
Olá, querida amiga Fernanda!
ResponderExcluir"Não era uma lembrança. Não era um sonho. Era uma presença."
Tanta sensibilidade que sente a presença, não fica só na lembrança...
Perfeito!
Tenha um tridui pascal abençoado!
Beijinhos fraternos
Interessante a reconstrução da Helena neste novo plano com um processo de ignição de uma sensibilidade acelerada neste semear sentimentos recolhidos.
ResponderExcluirBelo trabalho Fernandinha