Há quem diga que comentar um texto é um exercício simples: lê-se, gosta-se, escreve-se qualquer coisa. Mas eu desconfio dessas pressas. Para mim, comentar sempre foi um gesto íntimo, quase ritualístico desses que pedem calma, respiração e uma certa delicadeza do espírito.
Fico pensando nisso cada vez que visito um espaço amigo, cada casa de palavras que encontro pelo caminho: a sensação é sempre a mesma, um carinho que nasce antes mesmo da leitura. Não é obrigação nem etiqueta literária; é afeto.
E porque é afeto, não pode ser feito correndo.
Minha mente tem um hábito curioso: quando vejo um texto, às vezes quero responder na hora, mas não consigo. O dedo até pousa sobre o teclado, mas o coração ainda não chegou. E eu aprendi muitas vezes com certo custo que comentar por comentar é como bater na porta sem entrar: faz barulho, mas não cria encontro.
Eu, Fernanda, gosto de “puxar a cadeira”.
É exatamente assim que sinto.
Abro o texto como quem entra numa sala iluminada pelo silêncio. Sento-me. Deixo as palavras se aproximarem de mim, uma por uma, feito gente que vem contar suas histórias com uma xícara nas mãos. Eu escuto. Às vezes sorrio, outras vezes me recolho. Mas sempre converso não com o papel, mas com a pessoa que sei que está por trás dele, ali, sem rosto mas presente.
Comento dialogando, como se o autor estivesse sentado à minha frente, inclinando-se levemente, esperando minha resposta com o mesmo cuidado com que me ofereceu sua escrita.
Talvez seja isso que torna esse gesto tão especial: o que chamam de comentário, eu chamo de encontro. E encontros, na minha vida, nunca acontecem no automático.
Por isso demoro, por isso paro, por isso volto.
Vou quando posso ir inteira.
E cada visita, cada troca, cada pedacinho de conversa que nasce entre um texto e outro, me confirma: carinho não tem relógio. Tem presença. Tem verdade. Tem cadeira puxada.
E eu sigo assim conversando com as palavras como quem conversa com gente. Porque, no fundo, é isso mesmo que elas são.
Fernanda
Porque, no fim das contas,
comentar é apenas isso:
deixar o coração sentar um pouco ao lado das palavras.
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depois que a letra nasce
não há silêncio
há um choro que só eu ouço
e um medo que ninguém vê
o medo de mostrar demais
de sangrar diante de estranhos
de ser lida com desdém
ou pior: com pressa
porque parir palavras
é também deixar o peito aberto
num mundo que não sabe lidar
com quem sente fundo
a escrita respira fora de mim
e eu, nua, assisto
alguns dizem que é lindo
outros nem leem até o fim
há quem tente vestir meu poema
com a própria assinatura
como se dor fosse transferível
como se parto tivesse atalho
e é aí que mais dói
quando roubam o nome da minha filha
e fingem que nasceu de outra boca
quando arrancam o umbigo do texto
e dizem: “isso é meu”
não é
eu sei cada madrugada que ela levou
cada perda que empurrou esse verso
cada lágrima que virou frase
não quero aplauso
mas exijo respeito
porque minha escrita
anda no mundo com meu rosto
meus olhos, minha história
e quando alguém a toma como se fosse nada
está me dizendo:
“você também é nada”
mas eu sou tudo
o que ninguém teve coragem de escrever
e continuo parindo
mesmo ferida
porque escrever é a única forma
que conheço de sobreviver
(Fernanda)