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Eu amo escrever. Escrevo porque às vezes não cabe tudo aqui dentro. Porque há sentimentos que só se organizam quando viram palavras, e pensamentos que só fazem sentido quando dançam na página. Amo também olhar o céu e talvez isso diga tudo. Há quem olhe o céu para prever o tempo, eu olho para prever a mim mesma. Há algo em observar as nuvens, as estrelas ou o silêncio azul que me faz lembrar que existe poesia mesmo nos dias comuns. Este blog nasce desse encontro: entre a escrita e o céu. Vai ser um espaço para dividir pensamentos, contar histórias, guardar pedaços de mim e talvez, de você também, que me lê agora. Obrigada por estar aqui. Que você se sinta à vontade. Que cada texto seja como uma janela aberta, onde o vento entra leve e, quem sabe, traz um pouco de luz também

Amor sempre....

Amor sempre....
Caminho entre flores. O chão continuará pra nós com outras paisagens. Sou o que sou, porque é tudo que sei ser. E todo meu olhar escrito que você nunca aprendeu a ler, permanecerá no descaso para quem não compreende.

04 julho, 2025

Plantão exaustivo mas legal

Aleatoriamente um toque de poesia



Começou ontem às 19h03, com o primeiro caso de uma criança febril que a mãe jurava ser dengue, sarampo, ou olho-gordo. 
O dia foi de correria.
Faltavam ainda onze horas e cinquenta e sete minutos para o fim do plantão e eu já queria fugir para um cafezinho. 

Na triagem, uma senhora me contou que estava com palpitações desde a morte do marido. “Tem mais de vinte anos, doutora, mas às vezes ainda escuto o chinelo dele pela casa.” Eu anotei “taquicardia emocional”, mas o que me veio foi: saudade dá sintomas físicos, sim.

O ar-condicionado resolveu parar de funcionar no mesmo momento em que chegou um homem com febre, tosse, e o ego inflamado. “Doutora, sei que isso aqui é só uma virose, mas eu sou advogado, entende? Não posso me dar ao luxo de ficar fraco.

Entendi senhor.

Você não vai fazer exames de imagens? Estou esperando horas lá na recepção. Não posso como já disse enfraquecer.  

Pedi que se acalmasse.
Eu quis dizer que fraco ele já estava de empatia. Mas sorri, receitei um antitérmico e pensei em quanto custa, por dentro, esse tipo de gentileza automática.

Às duas da manhã, a luz da sala de medicação piscou três vezes e apagou. A enfermeira disse que era o prédio avisando que também estava exausto.

No leito improvisado do corredor, um senhor dormia de boca aberta. Ressonava. Ronco grave, compassado. O som mais humano da madrugada. Tirava a concentração mas era reconfortante ao mesmo tempo. 

Dei três plantões em um só.
Mas então, às 6h14, uma adolescente me escreveu um bilhete antes de receber alta. “Obrigada por não tratar minha dor como frescura.” Dobrei o papel, guardei no bolso do jaleco e segui.

Ser médica é isso: colher pequenas migalhas de sentido enquanto o mundo desaba ao seu redor.

Hora de ir para casa.

Cheguei em casa.
A porta se abriu e, antes mesmo de tirar os sapatos, fui tomada por um turbilhão de risos e pequenos corpos que me agarravam com força.

“Mamãe, mamãe! Hoje tem historinha, né?”

Os olhinhos brilhavam de expectativa, os abraços apertavam minhas pernas cansadas, e naquele instante eu me senti o centro do universo mesmo com o corpo exausto e a cabeça rodando.

“Sim, amores, tem sim,” respondi com um sorriso que tentava esconder o cansaço, “mas mamãe precisa de um banho primeiro, tá? Já volto.”

Enquanto caminhava para o banheiro, ouvi o burburinho alegre lá da sala, a promessa de histórias, risadas e abraços que esperavam por mim.

Naquele momento, entre o suor do plantão e o calor do lar, entendi que ser mãe é esse delicado equilíbrio: cuidar de tantos outros corpos durante o dia, para voltar a cuidar do que mais importa quando a minha noite em casa chega.

O banho foi rápido, mas suficiente para tirar o peso dos últimos cansaços. Voltei para eles, pronta para virar personagem, leitora e porto seguro mesmo que a voz tremesse de cansaço.

Porque, no fim das contas, o plantão termina, mas a missão de mãe nunca acaba.

E amanhã… tem outro plantão, mais uma história para contar, mais um abraço para ganhar.




Fernanda

Bom Dia!

Aleatoriamente um toque de poesia



Cessar fogo, apontar a paz não é um fim de semana de tréguas
 é um passo consciente, repetido a cada respiração. 
E você, hoje, onde vai apontar a sua paz?
Se, desistíssemos de disparar balas de culpas
e carregássemos só a bandeira do perdão já pensou?
Pause. Respire.
Sinta a suavidade de um “não disparar” no lugar de um “responder na hora”.
Permita-se ser aquele que atende, mesmo atrasado, o convite silencioso da paz.
Bom Dia!


Essa foi curtinha né? 😉
Fernanda!

03 julho, 2025

Salto alto e altura

Aleatoriamente um toque de poesia


Tenho um metro e oitenta. Isso já é o suficiente para escutar “nossa, que alta!” umas quatro vezes por semana, três delas vindas de completos desconhecidos que acreditam estar revelando uma informação inédita. Como se eu, com minha testa perigosamente próxima dos batentes de porta e minha eterna dificuldade em encontrar calça comprida que chegue até o tornozelo, não soubesse disso.

Mas aí… eu resolvo colocar salto alto.

Sim, salto alto. Aquela peça de ousadia, desequilíbrio e um tantinho de provocação. Não por necessidade porque, vamos combinar, se tem uma coisa que eu não preciso é de mais centímetros mas por gosto. Por afronta poética ao senso comum. E porque sou uma mulher!

Basta eu sair com meus onze centímetros a mais que o mundo entra em colapso. As pessoas me olham como se eu estivesse desafiando a gravidade e a lógica social ao mesmo tempo.
“Mas você já é tão alta!” dizem.
E daí? penso, enquanto sorrio com a delicadeza de quem já ouviu isso umas quinhentas vezes e aprendeu a dançar no desconforto alheio.

Porque, veja bem: usar salto alto quando você já é alta não é só sobre moda. É um ato de resistência estética. É sobre não se curvar para caber. É dizer: eu sei que estou um palmo acima do padrão, e não vou me abaixar para parecer aceitável. É ocupar espaço sem pedir desculpas e, de quebra, fazer barulho elegante no chão de madeira.

O salto me dá “poder”, mas não porque me deixa mais alta. Ele me deixa mais minha. Porque eu o escolho mesmo quando o mundo acha “demais”. Porque eu canso de me adaptar e resolvo, por um instante, me elevar literalmente e simbolicamente. E tenho motivos e você vai entender.

E se alguém se sentir desconfortável com a minha altura aumentada, sugiro apenas uma coisa: que se eleve também. Nem que seja na alma.

A altura, aliás, sempre foi um assunto desde a infância. Quando criança, eu já era “a grandona”. Aquela que aparecia na foto da turma como se tivesse sido transferida de sala por engano.

E enquanto minhas colegas ainda brincavam de boneca, eu já precisava escutar piadinhas de adulto:
“Nossa, mas você tem quantos anos mesmo?”
“Vai jogar basquete?”
“Vai ser modelo?”
Mal sabiam que eu só queria caber no balanço da pracinha sem ser retirada de lá por algum funcionário da prefeitura com a sensibilidade de um poste.

Sim, acontecia. Várias vezes. Eu me sentava no balanço com o cuidado e a alegria infantil de qualquer criança e lá vinha o aviso:
“Você não pode ficar aí, esse brinquedo é para crianças menores.”
Mas eu era uma criança. Só que em tamanho ampliado.
Me lembro de rir por fora acanhada, e me encolher por dentro.

Era como se o mundo dissesse: “você é grande demais para isso” para o brinquedo, para o choro, para a fragilidade. Desde cedo, fui convidada a crescer por fora e por dentro ao mesmo tempo. Mas o lado de dentro pedia colo, pedia espaço, pedia um balanço que me coubesse sem julgamento.

Hoje, adulta, entendo que o salto alto que uso diariamente físico, simbólico, emocional começou ali. Quando tive que me retirar de um brinquedo por ser “grande demais”. Quando precisei caber nas expectativas, e não nos balanços.

Mas olha só: sobrevivi.
E mais do que isso aprendi a fazer do meu tamanho não um incômodo, mas um ponto de vista. De cima, sim. Mas com empatia. Com humor. Com força.

E ainda me pergunto: por que é que o mundo insiste tanto para que a gente se encaixe, se ele mesmo é tão mal projetado para corpos reais?

A verdade é que aprendi a viver assim rindo dos sustos alheios, das portas baixas, das cadeiras pequenas, e dos homens que encolhem quando eu chego.
Subo no salto, e sigo.

Porque se é pra ser grande, que seja com intenção.
Risos…





Fernanda

02 julho, 2025

Rascunhos de uma Vida Escrevível

Aleatoriamente um toque de poesia
Por Fernanda




Durante anos, pareci ter desaparecido das postagens. Sumida das timelines, fora do radar das redes. Mas não se engane com esse silêncio. Enquanto o mundo pensava que eu não escrevia, eu estava era guardando mundos, meu diário no Word, no blog, em rascunhos escondidos entre o cheiro do café e a troca de plantão.

Escrever é uma dessas coisas que faço sem plateia, sem aplauso, sem prazo. Como quem respira. Porque, mesmo quando a vida grita com filhos, plantões, panela no fogo e boletos nascendo feito cogumelos em dia de chuva, há sempre um espaço onde o verbo me chama. E eu vou.

Teve texto escrito entre um descanso e outro. Parágrafos pensados no corredor do hospital. Ideias que escaparam durante a troca de fraldas, mas voltaram fielmente na madrugada. Enquanto outros descansam nas pausas do plantão, eu… descanso escrevendo viu querida Tais! Risos... Durmo melhor na minha cama de casa, é claro, mas nos intervalos longos da vida, é no teclado que estendo meu cobertor.

Tenho tantos rascunhos que, se um dia resolver organizar tudo, viro editora de mim mesma.Risos.
Cada pasta do computador é uma espécie de útero: cheia de textos prestes a nascer. Uns já prontos para o mundo, outros ainda tímidos, encolhidos, esperando coragem. E tem aqueles que talvez nunca saiam  mas que cumpriram seu papel de me salvar no exato momento em que foram escritos.

Não sei viver sem escrever. Mesmo sendo mãe, esposa, filha, mulher múltipla com horários improváveis, encontro nas palavras o que nenhum descanso técnico me daria: abrigo. Quando escrevo, volto pra casa. Mesmo que esteja longe. Mesmo que o cansaço pese.

Escrever, no fundo, é minha forma de existir por inteiro. Sem cobrança, sem vitrine. Com amor, como tudo que faço.

E sigo assim: acumulando vidas em silêncio.

Porque quem escreve todos os dias… nunca desaparece de verdade.

Às vezes me perguntam: “Mas como você consegue?” E eu rio. Porque nem sempre eu “consigo”. Às vezes estou no meio de uma frase quando alguém grita “mãe!” do outro cômodo. Outras vezes, a palavra perfeita me escapa no instante em que o feijão ferve ou a campainha toca. Já abandonei mais de um parágrafo para atender um choro no meio da madrugada ou para buscar alguém atrasado na escola. Ou quando o descanso nos plantões terminam.

Mas aí, quando tudo se acalma, volto. Porque a escrita me espera. Ela não se ofende com as interrupções, ela entende talvez porque a escrita também seja mãe, também seja mulher, também saiba dividir-se em mil e ainda assim continuar inteira.

Meus rascunhos são esse retrato fiel: imperfeitos, interrompidos, mas cheios de verdade. Neles, cabem meus dias bons, os difíceis, os absurdos e os maravilhosos. Cabem confissões que nunca tive coragem de dizer em voz alta, pequenas alegrias do cotidiano, pensamentos que brotam na fila do mercado ou no silêncio de um domingo à tarde.

E, curiosamente, mesmo sem publicar por tanto tempo, nunca me senti longe de quem lê. Porque escrever é uma forma de manter laços invisíveis. Um jeito de dizer “estou aqui”, mesmo quando o mundo me vê em mil outros papéis.

Um dia, talvez eu abra essas pastas antigas e monte livros com cheiro de tempo. Talvez organize essas memórias e transforme tudo isso que parece cotidiano em algo que também sirva para os outros  porque sei que há gente por aí precisando encontrar nas minhas palavras o reflexo dos próprios dias.

Até lá, sigo escrevendo. Não para ser lida. Mas porque escrever é onde moro. É meu lugar secreto dentro da vida.

E mesmo que o mundo ache que parei, eu sigo  como aquelas sementes que germinam no escuro.
Silenciosamente.
Com profundidade.
E com amor.




Fernanda!

01 julho, 2025

Redação da Clarinha

Aleatoriamente um toque de poesia
Dia de emoção

Eu estava atrás do controle remoto. Ele tinha sumido pela terceira vez naquela manhã o que, considerando que moro com oito filhos, muitos avós, dois cachorros, um gato, e plantas. Foi mexendo no fundo do sofá, entre meias perdidas, pedaços de biscoito e o que parecia ser uma colher fossilizada, que achei a folha dobrada. Uma redação de Clarinha. E mesmo sabendo que não devia bisbilhotar as coisas da minha adolescente que, diga-se, agora tem opiniões firmes sobre tudo, eu li. 
Li com o coração apertado, como quem abre uma janela pra dentro da alma de alguém.
Ela chegou e disse "eu dormi, antes de você chegar do plantão para te entregar mãe!"
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Tema: “Quem sou eu?”

Meu nome é Clara, mas quase todo mundo me chama de Clarinha.
Tenho 14 anos, gosto de batata frita com sorvete (sim, juntos), mas minha mãe só deixa de vez em quando rsrs, de dormir ouvindo música baixinho, e de rir das bobagens que meus irmãos falam no jantar. Sim, meus irmãos. Somos oito e cinco adotados e três da minha mãe e meu pai Felipe, que hoje é estrelinha.

Uma escadinha de histórias diferentes que acabaram parando na mesma casa e no mesmo coração.

A nossa família é meio “bagunçada”. Tem gente demais, vozes demais, amor demais. Tem dia que falta colher, falta toalha, falta silêncio haha, mas nunca falta abraço.

A gente mora com um monte de avós também. Não dá pra saber ao certo quantos são, porque sempre aparece mais um. Tem a avó Cris, que faz o melhor arroz do mundo. O Vô wilson, que conta a mesma história desde 2009. Os pais  do meu pai Felipe, do meu pai André. E outros que eu nem sei se são de sangue ou só foram ficando. Mas viraram nossos. Como tudo nessa casa: a gente acolhe, a gente pertence.

E no meio disso tudo no centro de tudo tem ela: minha mãe. A Fernanda.

A gente podia chamar ela de heroína, de santa, de guerreira. Mas ela nunca gostou desses nomes.
Ela prefere ser chamada só de mãe.

Mas eu vou dizer: ela é a mais especial de todas.
Porque foi ela que viu cada um de nós não como um fardo, mas como um presente. Ela que nos ensinou que família não é feita no hospital, mas no dia a dia. Que amor de verdade não tem manual, mas tem presença. Que ser mãe é aguentar gritos, febres, bagunças, boletins, abraços apertados e silêncios difíceis tudo no mesmo dia.

Ela é a que senta no meio da confusão e ainda arranja tempo pra perguntar:
Tá tudo bem com você, minha filha?
E é ali, no meio da loucura, que eu sinto mais paz.

Então, quem sou eu?

Sou Clarinha.
Filha adotiva, irmã de muitos, neta de vários.
Sou parte de uma família que não cabe em retrato, mas cabe inteira no coração. E sou filha da Fernanda a mãe mais especial do mundo.

E isso, pra mim, já é tudo.



Maria Clara.

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A redação começava suave, falando de batata frita com sorvete (um hábito que prefiro não incentivar), dos irmãos barulhentos e da vida vivida em casa cheia. Mas bastaram três parágrafos para que eu começasse a chorar. “Ela é a mais especial de todas.” Era sobre mim. 

A Clarinha, minha filha do coração, escrevendo com a leveza de quem não precisa justificar nada. Me chamando de mãe com a força de quem sabe, sabe de verdade que o sangue não tem nada a ver com amor. Li sobre os avós, os irmãos, a nossa casa onde nunca falta bagunças, nem afeto. 

Ela falou da bagunça, dos barulhos, dos cheiros misturados. E mesmo assim, ou talvez por causa disso, escreveu que a nossa casa é casa. E ali, lendo aquilo, entre um sapato de bebê “perdido”e o controle remoto que “nunca achei”,eu entendi tudo de novo.

Entendi que não fui eu que salvei ninguém. Foram eles que me salvaram. Um por um. Clarinha, com sua sensibilidade que finge ser desleixo. Os irmãos, com seus choros, birras, abraços e risadas. Até os avós, que confundem nomes e contam as mesmas histórias, me ensinam algo novo todos os dias.

Ser mãe de oito filhos, cinco adotivos é como fazer um bolo sem receita:
tem dias que dá certo, tem dias que queima, mas no fim, todo mundo come junto e pede mais.

Respondo aqui A redação de Clarinha depois que disse para
 ela: Filha, obrigada. Por ter me escolhido também.
Porque se você acha que eu sou especial, é porque você me fez assim.
Claro já chorando aqui também❤️


Fernanda

30 junho, 2025

Se cada poeta pudesse tomar um café com seus autores preferidos (Estrangeiros)

Aleatoriamente um toque de poesia
Crônica


Dessa vez, a mesa seria mais silenciosa. Mais ampla também  com cadeiras de outras culturas, aromas de outros tempos, línguas misturadas em poesia. Se cada poeta pudesse tomar um café com seus autores estrangeiros do coração, eu, certamente, precisaria de um intérprete não de idiomas, mas de silêncios. Porque o que se trocaria ali não caberia só em palavras.

Emily Dickinson chegaria primeiro.
Não por pontualidade, mas por aversão a multidões.
Sentaria num canto, vestida de branco, com as mãos repousadas sobre o colo e os olhos observando tudo com uma timidez feroz.
Seu café seria morno, e eu nem me atreveria a perguntar se estava bom.
Conversaríamos por bilhetes. Curto. Cortante. Infinito.

Pablo Neruda, ao contrário, ocuparia a sala inteira.
Com a voz grave, me contaria de cebolas e revoluções, de amores e exílios.
Teria cheiro de mar e sal e vinho chileno.
Faria versos sem papel, só com a entonação e me ensinaria que poesia também é um jeito de ocupar o mundo.

Sylvia Plath viria com seus abismos à flor da pele.
Chegaria depois de hesitar algumas vezes.
Talvez não tomasse café. Talvez nem conseguisse sorrir.
Mas se dissesse uma única frase, me deixaria em silêncio pelo resto do encontro.
Porque há dores que reconhecem outras, mesmo sem tradução.

Rainer Maria Rilke me olharia como quem escreve com os olhos.
Falaria devagar, com um sotaque que ecoaria como prece.
Me contaria sobre as cartas a um jovem poeta, e eu "mentiria" dizendo que entendi tudo, só pra não interromper a profundidade do momento.
Seu café seria quase espiritual. Com gosto de espera.

Walt Whitman seria pura presença.
Abraçaria todo mundo, cantaria seu próprio nome e o da humanidade.
Trajaria liberdade como roupa, e diria que o mundo cabe inteiro dentro de uma folha de grama.
Me pediria pra ouvir o corpo o meu, o dele, o de todos.
Tomaria café forte, gargalharia alto, e deixaria o chão levemente desorganizado.

Virginia Woolf chegaria elegante e exausta.
Trazendo no olhar um mundo inteiro em colapso e lucidez.
Me falaria sobre os quartos próprios, sobre as margens, sobre escrever contra a corrente.
Faria poesia dentro da prosa e me lembraria que o feminino também é revolução.
Deixaríamos o café esfriar e conversaríamos sobre o tempo e as coisas que escorrem entre as palavras.

Federico García Lorca viria com flores nos bolsos e tragédia nos ombros.
Falaria com as mãos, com o corpo inteiro.
Diria que a poesia é feita de sangue, guitarra e silêncio andaluz.
Seu café teria gosto de despedida, e eu o ouviria com reverência.

Anna Akhmátova se sentaria firme, com dignidade de mártir.
Seu silêncio falaria mais que qualquer verso.
Tocaria minha mão com os olhos  e deixaria em mim a lembrança de uma mulher que resistiu à censura com poesia costurada nos ossos.

E por fim, quando o encontro já parecesse ter acabado,
entraria Leonard Cohen, de chapéu e voz rouca.
Sentaria devagar, como quem tem tempo.
Diria que há uma fresta em tudo  e que é por ela que entra a luz.
Beberia café preto, colocaria uma música qualquer de fundo.
E me ensinaria que poesia é também oração que a gente canta baixinho.

Eu?
Eu escreveria nas margens do guardanapo.
Eu faria silêncio.
Talvez chorasse sem alarde.

Porque se cada poeta pudesse tomar um café com seus autores preferidos,
o que eu faria era isso mesmo:
guardar cada palavra como quem coleciona pedras raras no bolso.
E sair dali com mais perguntas do que respostas.

Mas com uma certeza quente no peito:
a de que não se está só quando se é feita, também, de versos dos outros.



Fernanda!